Desde o início de janeiro, Portugal desembolsou mais de oito milhões de euros por ajuste direto em despesas para presidência da União Europeia (dos 41,375 milhões postos de parte no Orçamento de Estado para 2021), em cerca de 200 contratos.
Esta quinta-feira, muitos destas adjudicações do Governo de António Costa tornaram-se alvo de escrutínio: o jornal internacional “Politico” escreve sobre as despesas insólitas de uma “presidência fantasma” - quase 40 mil euros em fatos para motoristas, por exemplo. Já o Observador relata que algumas das empresas a quem foram concedidos contratos haviam sido criadas apenas dias antes.
Em declarações à Renascença, a presidente da Transparência e Integridade, Susana Coroado, diz esta situação “revela que os maus vícios são difíceis de apagar”.
“Continua a não haver um cuidado em pensar devidamente na despesa, em justificar, em ser transparente com os contratos e com a contratação. Falta preocupação com conflitos de interesse. Portanto, se isto continua a acontecer agora, nós tememos por aquilo que possa acontecer no futuro, se estas práticas se vão manter quando chegarem os fundos europeus”, afirma.
“Uma obsessão” pela imagem
Segundo Susana Coroado, apesar da pandemia, o Governo português parece ter ainda uma “preocupação excessiva com a promoção do país” durante a presidência da União Europeia.
Este é precisamente um dos eixos da reportagem do Politico: mesmo com as fronteiras fechadas, e todas as conferências de imprensa a ocorrerem via internet, o Governo investiu mais de 260 mil euros para transformar um espaço no Centro Cultural de Belém num centro de imprensa em Lisboa; firmou um contrato com a Sogrape no valor de quase 36 mil euros para adquirir bebidas para eventos sociais, investimento que faria todo o sentido, não fosse o caso o distanciamento social ser um dos símbolos da Covid-19.
“A maioria dos contratos que o Politico fala não estão disponíveis. Está a despesa, mas não estão os contratos em si publicados no [portal] BASE. E, portanto, nós não sabemos se há, por exemplo, uma cláusula nos contratos que diga que caso os eventos não se possam realizar por causa da pandemia, que a despesa não vai ser feita. Eu não faço ideia”, sublinha Susana Coroado.
Há gastos difíceis de justificar. Por exemplo: os quase 40 mil euros em 360 camisas e 180 fatos para motoristas. “Não posso avaliar o mérito da despesa. Posso achar estranho que se façam despesas para eventos que, até ver, não se vão realizar. Sem saber sequer se há cláusula do não pagamento caso não haja essa despesa. Portanto, não consigo avaliar o mérito de se comprarem fatos para motoristas”, nota.
A presidente da Transparência e Integridade questiona ainda: “Mas há fatos especiais? Mas os motoristas não tinham fatos? São motoristas do Estado? São motoristas contratados a empresas privadas nesta altura porque poderá haver eventualmente um excesso trabalho e funções. Nós não sabemos. Falta de justificação de despesas.”
Ao Politico, Alexandra Carreira, a porta-voz da presidência portuguesa da UE, justificou a compra dos fatos para os motoristas com a possibilidade de estes terem de conduzir delegações que se possam deslocar ao país.
“Não podemos simplesmente descartar a possibilidade de serem realizados encontros presenciais no futuro próximo”, disse.
A Renascença tentou contactar o gabinete do primeiro-ministro, mas não obteve resposta.