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Marcelo Rebelo de Sousa pode declarar objeção de consciência para não promulgar o diploma da despenalização da eutanásia. A ideia é defendida pelo constitucionalista Paulo Otero, admitindo que esta seria uma solução de último recurso.
“O Presidente da República não pode ser o único cidadão português que não tem direito à objeção de consciência”, pelo que “pode e deve utilizar a sua objeção de consciência para se recusar a promulgar esta lei”, defende.
Em entrevista à Renascença, Paulo Otero considera que, “no fundo” o que está em causa na questão da eutanásia “é saber se a autonomia da vontade de cada um de nós deve prevalecer relativamente ao direito à vida. A minha resposta é não”.
“Não, fundamentalmente, por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, porque a Constituição não se limita a garantir a vida – vai mais longe e afirma o princípio da inviolabilidade da vida humana, o que significa que, num conflito, numa colisão entre o valor da vida e o valor da liberdade ou da autonomia, a autonomia e a liberdade estão subordinadas ao valor da vida, porque esta é inviolável à luz da Constituição”, justifica.
Além disso, o professor de Direito Constitucional considera que “o Estado português tem a obrigação de proteger a saúde. E, ao proteger a saúde, o Estado português deve criar uma rede de cuidados paliativos. É esse o propósito. Não é suprimir a vida, não é suprimir a pessoa”.
Nos argumentos que sustentam a opção pela eutanásia, Paulo Otero encontra sustentação para uma de três ações da parte do Presidente da República: pedir “a fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma junto do Tribunal Constitucional”, utilizar “o veto político, caso o Tribunal Constitucional não se pronuncie pela inconstitucionalidade” e, por fim, “ainda que o Parlamento reaprove a eventual lei permitindo a eutanásia, (…) utilizar a sua objeção de consciência para se recusar a promulgar esta lei”.
Este professor catedrático da Universidade de Lisboa lembra que “o professor Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito Presidente da República e nunca escondeu a ninguém que era católico”, pelo que, na sua opinião, esta “é uma boa altura para ser coerente com os valores que professa”.
“É mais fácil matar”
Nesta entrevista à Renascença, Paulo Otero levanta ainda outras questões, que podem ser entendidas como uma violação da lei – nomeadamente, questões económicas que podem estar por trás da defesa da eutanásia.
“Em termos económicos, em termos financeiros, a eutanásia é uma forma que o Estado encontra de resolver o problema do Serviço Nacional de Saúde, com corte nos respetivos custos de funcionamento”, aponta.
“É muito mais fácil matar do que criar redes de cuidados paliativos”, sustenta, utilizando o mesmo tipo de argumento para “o problema do financiamento da Segurança Social”.
“No fundo, reduz a prestação no âmbito da Segurança Social, o que significa que a eutanásia, em última circunstância, resolve ou ajuda a resolver um problema financeiro do Estado e isso é profundamente desumano e, por isso mesmo, contrário à Constituição”, argumenta.
O constitucionalista lança, nesta terça-feira, o livro “Eutanásia, Constituição e Deontologia Médica”, no qual defende que a eutanásia viola a Lei Fundamental e que há uma impossibilidade jurídica de o Estado poder impor aos médicos e à Ordem a alteração do seu código deontológico.
Paulo Otero defende que “cada um de nós, individualmente, pode ter autonomia para por termo à sua vida”, mas não pode impor ao outro o dever de matar.
O Estado também não pode impor aos médicos o dever de administrar a injeção letal, quando a classe tem um compromisso com a vida que faz parte do seu código deontológico – código que constitui um espaço próprio de decisão da Ordem dos Médicos e não do Estado, sustenta o jurista.
Os cinco projetos de lei (BE, PS, PAN, PEV e Iniciativa Liberal) que propõem a legalização da eutanásia vão a debate no Parlamento no dia 20 de março.
Não se apresentam todos com os mesmos termos e revelam também diferenças na forma como deve ser conduzido o processo.
A eutanásia é permitida em alguns países europeus. É o caso da Bélgica, onde não existe idade mínima para pedir o fim da vida e da Suíça.