No segundo filme do “Regresso ao Futuro”, lançado em 1989, Marty McFly e Doc Brown visitam o “futuro”: aterram com o seu “DeLorean” no dia 21 de Outubro de 2015, o mesmo dia em que a Netflix chega a Portugal.
O futuro que os criadores da série imaginaram há 26 anos ainda não chegou: carros voadores, ténis que se apertam sozinhos, skates que flutuam no ar. Mas há uma coisa em que acertaram - a presença de monitores em todo o lado. É certo que o que hoje vemos não se limitam a ser monitores. Os ecrãs que hoje se multiplicam nas mais variadas formas e tamanhos são, na sua maior parte, interactivos e permitem realizar mil e uma tarefas para além de ver televisão.
E é precisamente nesta multiplicação de ecrãs que a Netflix ganha em relação aos seus concorrentes: o serviço pode ser visto através da televisão, computador, tablets, telemóveis, consolas de jogos, leitores de DVD, etc.
Mas, se por um lado, o “Regresso ao Futuro” indica um bom futuro para o serviço de streaming através da internet, por outro, a Netflix não retribui: os três filmes das viagens no tempo de Marty e Doc não constam do catálogo de milhares de filmes e séries da empresa.
O que é a Netflix?
O conceito não é novo fora de Portugal, mas só agora chega ao país: um serviço que oferece, através de uma subscrição mensal, acesso a séries e filmes que o utilizador pode ver quando e onde quiser, quantas vezes quiser, desde que tenha uma ligação à internet.
“É uma coisa que já muitos portugueses esperavam há vários anos”, salienta Carlos Martins, programador e autor do blogue de tecnologia Aberto até de Madrugada. A Netflix lançou o serviço de streaming nos Estados Unidos há oito anos anos. Chega a Portugal com mais de 69 milhões de utilizadores registados em todo o mundo.
Antecipando a chegada da Netflix, já foram lançados alguns serviços semelhantes, como o N Play, disponível para os assinantes da NOS, e o Fox Play, para assinantes da Vodafone TV e da NOS. Mas este é o primeiro que chega livre de qualquer ligação a um operador, e é também aquele que pode ser visto em mais dispositivos - televisão, computador, tablets, telemóveis, consolas de jogos.
Outra novidade introduzida pela Netflix é a facilidade em encontrar programas que podem ser do interesse do utilizador, com as sugestões que o serviço faz, tendo por base os programas vistos. Cada conta pode ter até cinco perfis diferentes, com sugestões personalizadas para cada um.
Carlos Martins não duvida que a chegada do Netflix marca o início de uma nova era na forma como a televisão chega aos telespectadores, pela “liberdade de escolha” que dá em termos de horário e de oferta disponível, e porque abre a porta do país a outros serviços do género oferecidos pela Amazon ou pela Google, por exemplo.
O que é preciso e quanto custa?
O serviço da empresa norte-americana chega a Portugal com três pacotes que variam entre os 7,99€ e os 11,99€. O pacote mais básico permite utilizar o Netflix apenas num dispositivo de cada vez e com streaming em qualidade “standard”, o mais caro dá acesso a conteúdos em alta definição, e pode ser utilizado em quatro ecrãs diferentes ao mesmo tempo.
Mas, além destes custos, é preciso acrescentar o custo de uma ligação à internet - não incluído e obrigatório. E aqui é preciso ver com alguma cautela a promessa de que o utilizador vai poder ver o que quiser, quando quiser. Tecnicamente pode, mas não é aconselhável aceder à Netflix utilizando serviços de internet móvel, por exemplo. A melhor ligação para ver vídeos e filmes na rede é através de um serviço de internet fixa, por causa do consumo de dados associado.
“Normalmente nos planos de internet móvel temos limites mais apertados de consumo de dados”, explica Carlos Martins. O Netflix ajusta a qualidade do vídeo à velocidade de internet utilizada, mas “o vídeo na internet gasta sempre bastantes dados”.
Em relação à internet fixa, fizemos uma pesquisa pela oferta disponibilizada nos sites dos principais operadores: Vodafone, NOS e Meo. A NOS e a Vodafone são as operadoras que oferecem o melhor preço se o objectivo for apenas conseguir um serviço de internet fixa. A primeira tem um pacote de 17,99€, que inclui quatro canais de televisão e internet a 12 megabytes por segundo (mbps); na segunda, o mais barato é optar por um serviço que inclua televisão, internet (50 mbps) e telefone que custa 25,9€ por mês. São custos mínimos obrigatórios para chegar ao Netflix.
De acordo com a Autoridade Nacional de Comunicações, 84% das famílias portuguesas pagam um serviço de televisão por subscrição. As operadoras promovem a compra dos serviços integrados em pacotes, com pouca e fraca oferta no que diz respeito aos serviços isolados de internet, algo que Carlos Martins pensa que vai mudar nos próximos anos, com a chegada de serviços de "streaming" na rede: “Com este tipo de serviços, as pessoas vão exigir cada vez mais os serviços em separado”.
A grande ausência
Na página da empresa, a Netflix promete um serviço com milhares de filmes e séries, mas um dos maiores sucessos da empresa não vai estar disponível no serviço português: a série “House of Cards”, que ficciona os bastidores da política norte-americana num jogo de poderes sem escrúpulos, cujos direitos de transmissão em Portugal já estão vendidos a dois canais de televisão.
“A questão dos direitos de transmissão é outro aspecto com que os portugueses se irão defrontar”, sublinha Carlos Martins. O programador espera que a chegada ao país de mais serviços de streaming, por um lado, e a sua globalização, por outro, acabe por gerar uma pressão por parte dos utilizadores para que as regras de acesso sejam iguais em todo o mundo.
Para além disto, a própria Netflix vai apostando cada vez mais em produções próprias, o que lhe permite ter controlo sobre os direitos de distribuição em todo o mundo.
Mas há outras séries populares que podem ser vistas na Netflix: “Sense8”, “Narcos”, “Grace and Frankie”, “Unbreakable Kimmy Schmidt”, e ainda “Orange is The New Black”.
O futuro hoje?
Na opinião de Carlos Martins, a mudança que a Netflix introduz no mercado prenuncia uma nova maneira de ver televisão: “as pessoas, habituando-se a poderem ver aquilo que querem a qualquer momento e em qualquer dispositivo, depois não vão querer andar para trás e esperar por intervalos de 10 ou 15 minutos, ou por programas que começam atrasados ou são cancelados”.
Os números já mostram isso, só falta o mercado ajustar-se: em Janeiro deste ano, um estudo realizado em conjunto pela Marktest e pela Nova Geração revelava que os portugueses passam, em média, mais uma hora por dia na internet do que a ver televisão. 93% dos inquiridos neste estudo vê vídeos online e 76% vê séries ou filmes.
“Os serviços de streaming, quer se goste deles ou não, vão ser o futuro”, resume Carlos Martins.