Será a matemática racista? Eis a pergunta - ou a afirmação - da polémica do momento no mundo anglo-saxónico, que talvez venha a chegar a Portugal. Tudo começou com a constatação de que nos EUA, negros, latinos, emigrantes e mulheres têm piores notas e menos sucesso em disciplinas ou cursos de matemática do que os rapazes ou homens brancos. Na base desta desigualdade de resultados estarão, decerto, carências educacionais várias, inerentes a cada meio familiar, muito diverso. E porque os problemas matemáticos podem parecer demasiado abstratos, as pedagogias mais práticas já investem na utilização de contextos de vida concretos para humanizar os exercícios. Assim, por exemplo, numa escola de uma zona mais pobre, com maioria de estudantes negros ou emigrantes, o conhecimento dos números e das contas pode fazer-se sobre os salários, a inflação e o nível de vida daquela comunidade. Chama-se a isto aprendizagem contextual ou “problem-based learning”. E faz sentido.
O que não faz sentido é o nível seguinte da questão, a saber, que em muitas comunidades não brancas haja uma revolta contra a disciplina da matemática em si mesma, movida por vozes que insistem que o racismo (e o sexismo) espreitam, e são problemas, no ensino da matemática. É o wokismo a invadir as escolas e a agenda da justiça social (e não do conhecimento) a desconstruir as disciplinas, declarando que da mesma maneira que se “descolonizam” currículos de história e se saneiam palavras em línguas, também a matemática deve ser demolida. Para os justicialistas de serviço, a branquitude espreita por detrás de cada número, cálculo ou equação, produzindo um ensino opressivo. E por isso já se lê que “o conhecimento matemático foi apropriado pela cultura ocidental” e que “a matemática tem sido e continua a ser usada para oprimir e marginalizar pessoas e comunidades de cor”! Daqui decorrem outros juízos, sempre alimentadas pela teoria crítica que em tudo vê opressão (imposta pelos brancos) e vitimização (dos outros): é porque a matemática é “ocidental”, “branca” e “masculina”, que (quase) não há matemáticos negros ou mulheres! Por isso, tem de haver uma matemática “africana” ou “feminina”, numa multiplicação de nichos que são outros tantos relativismos - ao ponto de já se dizer que 2+2 pode não ser igual a 4 (!), porque supor que há respostas certas e erradas “perpetua a objetividade” (um dia traçada por homens brancos) e “o medo do conflito”!
Tudo isto é obviamente risível, se não fosse trágico. A matemática não é uma interpretação política racializável, mas um conhecimento objetivo de verdades universais. Por isso é tida (a par, talvez, da música) como a linguagem que os humanos usariam se um dia quisessem comunicar com alienígenas. Ora, ativistas ou estudantes que acham que a resposta a problemas matemáticos depende da raça ou do sexo e que quem os ensina é opressor (pelo próprio ato de ensinar) jamais descobrirão o quanto a matemática é uma chave universal de conhecimento, que justamente congrega e aproxima todos quantos a usam, em vez de os separar e compartimentar.
A ideia de que a matemática é racista demonstra assim, e por duas vias, o quão pernicioso é o chamado currículo woke. Por um lado, ao reivindicar para cada estudante o seu direito a livremente decidir o que está certo ou errado, destrói os próprios fundamentos do ato de conhecer e de discernir a verdade; por outro lado, em vez de “empoderar” e de “emancipar” alunos-“vítimas”, subjuga-os a ideias erradas, encerra-os na sua própria condição, e perpetua, no fundo, a ignorância, ao reduzir a natural dificuldade em aprender coisas novas a uma imposição supostamente opressiva, perpetrada pelo suspeito do costume - o homem branco.