Edward Snowden, Madeleine Albright, Joseph E. Stiglitz, Sérgio Moro e Baltasar Garzón são alguns dos oradores da edição 2017 das Conferências do Estoril, que decorrem de 29 de Maio a 1 de Junho. A Renascença é a rádio oficial. Assista em directo às conferências aqui
O ex-espião norte-americano Edward Snowden acusou, esta terça-feira, os governos de aprovarem leis que permitem vigilância em massa dos cidadãos, sob o pretexto da luta contra o terrorismo.
A participar através de vídeo-conferência nas Conferências do Estoril, o antigo funcionário da CIA e da NSA teceu críticas à forma como os governos mundiais continuam a legislar para criar mais sistemas de vigilância em massa sem estarem preocupados com as liberdades individuais da população.
"O governo não vai actuar de acordo com os interesses do público a não ser que seja obrigado”, defendeu o ex-analista, de 33 anos, que entende que “há uma diferença entre legalidade e moralidade” mas que, hoje, “a lei não nos defende, nós é que defendemos a lei”.
O homem por detrás da maior fuga de informação na história dos Estados Unidos acredita que, “quando a lei não nos defende, cada um de nós tem de lutar para a deitar a baixo” e está convicto que os direitos universais conquistados através de diversas revoluções em vários países estão hoje ameaçados.
Procurando desmontar os argumentos dos que defendem os programas de vigilância massiva como aquele que denunciou em 2013, Edward Snowden acredita que, actualmente, os direitos das sociedades ocidentais são postos em causa pelas leis dos próprios Estados do que por actos terroristas.
“Não temos evidências públicas que estes programas de vigilância massiva estão a salvar vidas e a defender pessoas”, argumentou o norte-americano exilado na Rússia, quando questionado sobre o equilibro entre liberdade e segurança. “O que há provas é que causam danos ao público”, realçou Snowden, que não deixa de acreditar que há interesse num discurso do medo por parte das elites políticas.
“A vigilância em massa é eficiente para muitas coisas: para a recolha de informação para espionagem económica, para a manipulação diplomática, para a influência social. Mas não salva vidas”, reiterou o analista, que está convicto de que “estes programas existem por uma questão de poder, no sentido tradicional da espionagem”.
Para Snowden, a razão para o uso dessa argumentação é simples: “é mais fácil para um governo passar uma lei [que aumente a vigilância sobre os cidadãos] sob o pretexto de estar a lutar contra o terrorismo, do que dizer às pessoas que têm de abdicar dos seus direitos”.
“Se querem derrotar o terrorismo, não o escondam na penumbra. Tragam-no para a luz do dia e mostrem porque é que aquelas ideias estão erradas”, defendeu. Snowden acredita que “os terroristas são incapazes de destruir os nossos direitos ou diminuir as nossas sociedades”. “Eles nem sabem quais são as nossas liberdades”, argumentou perante o aplauso da plateia.
Questionado sobre a mais recente lei de vigilância massiva aprovada no ano passado no Reino Unido, o ex-analista da NSA classificou-a como “a mais radical do mundo”, que, na sua perspectiva “autoriza intrusões obscenas” que influenciam forma como “nos relacionamos, interagimos, fazemos comércio”.
"O direito a poder ligar a quem amamos, a quem queremos trocar uma ideia (...) Isto é o um direito fundamental de uma sociedade", acredita o activista, que defende que “os líderes temem mais perder o seu cargo do que temem a perda das nossas liberdades”.
Quando questionado sobre a sua situação, Snowden garantiu não só que não tem mais nenhum documento na sua posse como também voltou a falar da possibilidade de regressar aos Estados Unidos.
“Eu disse aos Estados Unidos, desde o início, que a minha única condição para enfrentar um julgamento era poder explicar ao juiz as minhas razões. Curiosamente foi a única exigência que recusaram”, explicou à plateia o ex-analista, que revelou não ter qualquer esperança em obter qualquer forma de perdão, à semelhança do que aconteceu com Chelsea Manning. “[Obama] foi embaraçado pessoalmente pelo meu caso”, acredita Snowden, que diz que, na lógica da Administração Obama, “perdoá-lo seria o mesmo que admitir que estava errado”.
Trump, Fake News e o jardim da democracia
Primeiro numa palestra chamada “Eu, Edward Snowden” e depois numa conversa com o Baltasar Garzón, advogado de Julian Assage, o exilado político que falava a partir de Moscovo através de um robot e uma câmara abordou também o discurso do Presidente Donald Trump, acusando-o de atacar a imprensa livre.
"A inconveniência do jornalismo de investigação é acusada de 'fake news' [notícias falsas]", defendeu Snowden, que entende que “o novo Presidente dos Estados Unidos ataca a imprensa livre” e tenta definir aquilo que é a verdade.
Admitindo que a questão das notícias falsas é um problema, Snowden entende que não é com leis nem mudanças em algoritmos que a questão será resolvida. "A solução é apontar aquilo que são notícias falsas”, acredita o ex-analista, que entende ser necessário “criar uma sociedade que valorize factos”.
"Se pensarem na democracia como um jardim, o jornalismo é uma árvore que dá frutos e alimenta a democracia”, defendeu o activista político, que, ainda na mesma metáfora, entende as fontes jornalísticas como as raízes da árvore no centro do jardim.
"Autocratas sabem que não conseguem entrar no jardim e deitar abaixo esta árvore que é o jornalismo durante o dia. Por isso fazem-no durante a noite, e atacam as suas raízes [as fontes de informação]”, defendeu o activista, esta terça-feira, perante o público das Conferências do Estoril e o resta do mundo acompanhou a intervenção pela internet.