António Costa e o ministro das Finanças, Mário Centeno, estiveram reunidos esta quarta-feira à noite em São Bento, na residência oficial do primeiro-ministro. No final, ficou uma certeza: Centeno, por agora, continua no Governo. Foi o próprio primeiro-ministro a salientá-lo em comunicado, reafirmando publicamente a sua "confiança pessoal e política” no ministro de Estado e das Finanças.
Em cima da mesa, na reunião, esteve, segundo informou o gabinete de António Costa, além da próxima reunião do Eurogrupo e a definição do calendário de elaboração do Orçamento Suplementar que o Governo apresentará à Assembleia da República, a polémica e desconforto no Governo gerados em torno do empréstimo público no valor de 850 milhões de euros destinado à recapitalização do Novo Banco.
Segundo aquela nota, na reunião "ficaram esclarecidas as questões relativas à falha de informação atempada ao primeiro-ministro sobre a concretização do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução" para o Novo Banco, um empréstimo, salienta-se, "que já estava previsto no Orçamento de Estado para 2020 que o Governo propôs e a Assembleia da República aprovou".
Contas do Novo Banco auditadas antes de o dinheiro entrar
O gabinete do primeiro-ministro garante também que, "previamente à concessão deste empréstimo", as contas do Novo Banco relativas ao exercício de 2019 tiveram a supervisão do Banco Central Europeu e foram auditadas “pela Ernst & Young, pela Comissão de Acompanhamento do mecanismo de capital contingente do Novo Banco e pelo agente Verificador designado pelo Fundo de Resolução”.
"Este processo de apreciação das contas do exercício de 2019 não compromete a conclusão prevista para julho da auditoria em curso a cargo da Deloitte e relativa ao exercício de 2018, que foi determinada pelo Governo", acrescenta o comunicado.
Mas como é que a polémica, agora sanada, começou? Recapitulando: António Costa começou por garantir no parlamento, durante o último debate quinzenal, que o Fundo de Resolução não recebeu qualquer injeção de capital e que não haveria mais ajudas ao Novo Banco até que os resultados da auditoria em curso fossem conhecidos. Mas houve mesmo. E precisamente na véspera daquela intervenção do primeiro-ministro.
Prontamente António Costa veio a terreiro garantir que não foi informado pelo Ministério das Finanças do pagamento.
Seguiu-se a defesa de Centeno. Afinal, o que se passou? Em entrevista à TSF, na terça-feira, o ministro admitiu que houve uma falha de comunicação no governo, mas nunca “uma falha financeira” – o que seria “desastroso” para a economia portuguesa. E admitiu igualmente que António Costa “não tinha informação que a transferência se tinha efetuado no dia anterior", quando afirmou no parlamento que não haveria mais dinheiro para o Novo Banco sem uma auditoria. “Essa informação não chegou a horas do debate e não estava atualizada quando deu a resposta”, referiu Centeno.
Já hoje, quarta-feira, o ministro das Finanças voltou a justificar-se, agora no parlamento.
E mesmo antes de poder ser questionado, Centeno referiu que a transferência estava prevista no Orçamento do Estado e seria impensável não cumprir o que está contratado. “O Estado não fez um empréstimo porque gosta”, sublinhou, acrescentando que, caso o Governo não agisse, além de uma crise sanitária, Portugal ficaria também numa situação de crise bancária. “Deste modo, ficamos com a credibilidade que Portugal conquistou.”
Centeno garantiu também que não foi feita nenhuma operação à revelia de António Costa. “As resoluções não são assinadas na praia, à beira-mar, por telemóvel”, comentou num tom irónico.
Marcelo critica, Rio quer uma cabeça
As críticas à decisão, porém, avolumaram-se também hoje. Desde logo vindas de Marcelo Rebelo de Sousa. De visita à Autoeuropa, e ladeado pelo primeiro-ministro António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa criticou a nova injeção de capital antes de ser conhecido o resultado da auditoria ao período entre 2000 e 2018.
"Há uma auditoria que tinha sido anunciada que estaria concluída em maio deste ano. Para os portugueses não é indiferente cumprir compromissos com o conhecimento exato do que se passou em determinado processo ou cumprir compromissos e mais tarde vir a saber como é que foi esse processo até 2018. É politicamente diferente uma coisa e outra”, declarou Marcelo.
Questionado se estava a fazer uma crítica direta ao ministro das Finanças, Mário Centeno, o chefe de Estado apenas respondeu que "não".
Marcelo Rebelo de Sousa considera que o Estado português assumiu um compromisso com os proprietários do Novo Banco e "tinha de cumprir", mas devia fazê-lo após a divulgação da auditoria à gestão da instituição bancária. “É que é politicamente diferente o Estado assumir responsabilidades dias antes de se conhecer as conclusões de uma auditoria ou a auditoria ser concluída dias antes de o Estado assumir responsabilidades.”
Por sua vez, o presidente do PSD, Rui Rio, considera que o ministro das Finanças, Mário Centeno, "não tem condições para continuar" no cargo. Numa mensagem publicada na rede social Twitter, o líder social-democrata considera que Mário Centeno não foi leal ao primeiro-ministro, António Costa no caso da transferência de 850 milhões de euros para o Novo Banco.
"Se estava mal, com esta prestação na Assembleia da República, Centeno ainda ficou pior", começa por referir Rui Rio numa referência à audição parlamentar desta quarta-feira com o ministro das Finanças. Rui Rio defende que Mário Centeno "não tem condições para continuar" e "mal vai" um primeiro-ministro que "mantém um ministro que não lhe foi leal".
O líder do PSD prossegue ao afirmar que o ministro das Finanças também recebeu a "crítica pública do Presidente da República", para além de não ter sido defendido pela bancada do PS, que "diz ser irresponsável fazer o que o primeiro--ministro anunciou".
"O país deve muito a Mário Centeno"
No PS, tardou, de facto, a defesa de Centeno. Mas ao final da tarde, em entrevista à Renascença, o socialista João Soares defende que, apesar das críticas do Presidente da República, o ministro das Finanças Mário Centeno tem condições para continuar no cargo. Soares admite alguma “descoordenação” entre Centeno e o primeiro-ministro, mas recusa “dramatismos”.
"Para mim, tem todas as condições para continuar. O país deve muito a Mário Centeno. Nestes últimos quatro anos, o trabalho que fez no Governo é um trabalho absolutamente notável. Não podemos pôr em causa aquilo que tem sido a sua obra feita no plano das finanças públicas. O Ministério das Finanças devia ter esperado pelo resultado da auditoria. Faltou uma melhor coordenação. Lamento isso profundamente, mas não acho que haja aqui nada de dramático, pelo contrário”, conclui João Soares.
Já o PS repudiou, esta quarta-feira à noite, antes mesmo da reunião entre Centeno e Costa, as “declarações abusivas” do líder do PSD sobre o debate parlamentar desta tarde, considerando que Rui Rio quis desviar as atenções “para uma certa teoria da conspiração” ao defender a saída de Mário Centeno.
“O debate desta tarde não passou por saber se o ministro das Finanças, Mário Centeno, foi, é ou será ministro das Finanças. Do nosso ponto de vista isso não é minimamente discutível”, disse, em resposta, o vice-presidente da bancada do PS, João Paulo Correia. “O senhor ministro das Finanças tem feito um trabalho notável ao serviço do país”, defendeu João Paulo Correia, considerando que o líder do PSD quis “desviar a atenção quando o PS meteu o dedo na ferida naquilo que foi a responsabilidade do PSD na resolução do BES”.
[Notícia atualizada às 23h08]