Operação Marquês. Sócrates acusado de 31 crimes e de receber 34 milhões em luvas
11-10-2017 - 10:36
 • João Carlos Malta

O Ministério Público deduziu acusação contra 28 arguidos. Sócrates é acusado de ter ganho 34 milhões de forma ilegal, através de um esquema que mascarou dinheiro vindo dos grupos Lena, Espírito Santo e Vale do Lobo.


O ex-primeiro ministro José Sócrates foi formalmente acusado pelo Ministério Público (MP) de 31 crimes, revelou esta terça-feira a Procuradoria-geral da República.

A acusação detectou a alegada prática de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político , 16 de branqueamento de capitais , nove de falsificação de documento e três de fraude fiscal qualificada .

Os factos em investigação tiveram lugar entre 2006 e 2015, ou seja, com Sócrates primeiro-ministro (2005 a 2011) e depois de deixar o cargo.

No despacho final de acusação, com mais de quatro mil páginas, o MP deu como provada a relação com Carlos Santos Silva e os benefícios ao grupo Lena, com os quais o ex-primeiro-ministro terá ganho 34 milhões de euros. Esta verba chegou alegadamente ao ex-PM através de um esquema que mascarou dinheiro vindo dos grupos Lena, Espírito Santo e Vale do Lobo.

Há ainda mais 28 arguidos acusados, 19 pessoas singulares e nove pessoas colectivas, no âmbito da designada Operação Marquês.

O empresário e seu amigo Carlos Santos Silva foi acusado de 33 crimes , entre os quais corrupção passiva de titular de cargo político, corrupção activa de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento, fraude fiscal e fraude fiscal qualificada.

O Departamento Central de Investigação e Acção Penal acusou também o banqueiro Ricardo Salgado de 21 crimes económicos e financeiros: corrupção activa de titular de cargo político, corrupção activa, branqueamento de capitais, abuso de confiança, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada.

O antigo presidente da PT Zeinal Bava está acusado de cinco crimes de corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada.

Henrique Granadeiro, ex-administrador da PT, está acusado de corrupção passiva (um crime), branqueamento de capitais (dois), peculato (um), abuso de confiança (um) e fraude fiscal qualificada (três).

O ex-ministro e antigo administrador da Caixa Geral de Depósitos Armando Vara foi acusado pelo MP de cinco crimes: corrupção passiva de titular de cargo político (um), branqueamento de capitais (dois) e fraude fiscal qualificada (dois).

Segundo a acusação, ficou indiciado que os arguidos que exerciam funções públicas ou equiparadas, tendo em vista a obtenção de vantagens, agiram em violação dos deveres funcionais.

As relações com o melhor amigo

O Ministério Público entende que a actuação de Sócrates, na qualidade de primeiro-ministro e também após a cessação dessas funções, permitiu a obtenção, por parte do Grupo Lena, de benefícios comerciais. Carlos Santos Silva, que foi administrador da Lena entre 2008 e 2009, interveio como alegado intermediário de José Sócrates em todos os contactos com o grupo com sede em Leiria.

A troco desses benefícios, e em representação do Grupo Lena, o arguido Joaquim Barroca terá aceitado efectuar pagamentos, em primeiro lugar a Carlos Santos Silva, mas que eram destinados a José Sócrates.

Por outro lado, segundo a tese do MP, Joaquim Barroca veio ainda a disponibilizar a utilização de contas bancárias abertas em seu nome na Suíça para movimentar fundos que se destinavam ao ex-primeiro-ministro.

Tendo em vista receber outros montantes destinados a Sócrates, Carlos Santos Silva terá disponibilizado sociedades por si detidas para receber quantias provenientes do Grupo Lena, com base em pretensos contratos de prestação de serviços.

Ricardo Salgado e Vara

Os fundos acumulados na Suíça integravam também pagamentos determinados pelo arguido Ricardo Salgado, afirma o MP. O ex-líder do BES é acusado de 21 crimes.

Segundo a acusação, Salgado mobilizou quantias oriundas de entidades “offshore” que pertenciam ao Grupo Espírito Santo. Os pagamentos estavam relacionados com intervenções de Sócrates, enquanto primeiro-ministro, em favor da estratégia definida por o banqueiro para o grupo Portugal Telecom, do qual o BES era accionista.

Para ocultar essa finalidade, Ricardo Salgado terá utilizado o arguido Hélder Bataglia para fazer circular fundos por contas no estrangeiro controladas por este último. Todos esses pagamentos eram justificados com contratos fictícios em que era interveniente Bataglia.

De acordo com a acusação, Sócrates, conluiado com Armando Vara, à data administrador da Caixa Geral de Depósitos, recebeu também pagamentos com origem em receitas desviadas do grupo Vale do Lobo. Tais pagamentos foram determinados por administradores de sociedade desse grupo, tendo em vista facilitar a concessão de financiamentos por parte da CGD.

Com origem nos grupos Lena, Espírito Santo e Vale do Lobo, foi acumulado na Suíça, entre 2006 e 2009, um montante superior a 24 milhões de euros , dá como provado o MP.

Alegadamente, este dinheiro foi, num primeiro momento, recebido em contas controladas pelo arguido José Paulo Pinto de Sousa, primo de Sócrates, e, mais tarde, em contas de Carlos Santos Silva (neste caso, com prévia passagem por contas de Joaquim Barroca).

O dinheiro volta a Portugal

A acusação diz que Carlos Santos Silva transferiu depois o dinheiro para Portugal, através de uma pretensa adesão ao RERT II (Regime Excepcional de Regularização Tributária), criado pelo segundo governo de Sócrates em 2010, visando a posterior colocação em contas por si tituladas, mas para utilizações no interesse do ex-líder socialista.

Isso era feito através de levantamentos e entregas de quantias em numerário ao antigo primeiro-ministro, as quais eram efectuadas com a intervenção de Santos Silva, mas também dos arguidos Inês do Rosário, João Perna e Gonçalo Ferreira.

Esses fundos foram, igualmente, utilizados para aquisição de imóveis, obras de arte, pagamento de viagens, aquisições de exemplares do livro de Sócrates “A Confiança no Mundo" e para fazer chegar dinheiro a pessoas das relações deste arguido.

Também a arguida Sofia Fava, acusada de dois crimes, aceitou figurar como adquirente de um imóvel designado “Monte das Margaridas”, sito em Montemor-o-Novo. O imóvel foi adquirido com um financiamento bancário garantido por Carlos Santos Silva, suportado nos fundos trazidos da Suíça.

Salgado distribui milhões

Para além dos pagamentos acima referidos em benefício de José Sócrates, Salgado determinou também que fossem efectuados pagamentos a Zeinal Bava e Henrique Granadeiro.

Nesse período, entre 2006 e 2010, estes arguidos exerceram funções na administração da Portugal Telecom, tendo aceitado esses pagamentos para agir em conformidade com interesses definidos por Ricardo Salgado para o BES enquanto accionista da PT.

Ainda segundo o comunicado da acusação, e com origem no Grupo Espírito Santo, por determinação de Ricardo Salgado, já em 2010 e 2011, Carlos Santos Silva terá montado um esquema, em conjunto com Joaquim Barroca e Hélder Bataglia, com vista à atribuição de nova quantia a favor de José Sócrates.

"Esse esquema passava pela produção de um contrato-promessa de compra e venda de um edifício em Angola. Através do incumprimento desse contrato-promessa e consequentemente perda do sinal, foi justificada a transferência de uma quantia para as contas do grupo Lena que ficou com o encargo de devolver o mesmo montante a Santos Silva ou a sociedades do mesmo, para este, por sua vez, fazer chegar o dinheiro a José Sócrates", diz o resumo da acusação.

Arquivamentos e despacho

O Ministério Público, do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, proferiu nove despachos de arquivamento, nomeadamente em relação aos arguidos João Abrantes Serra, Joaquim Paulo da Conceição e Paulo Lalanda e Castro (administrador da Octapharma). Todavia, no que a este último diz respeito, foi extraída uma certidão para investigação de factos relativos a sociedades que controlava.

No total, o Ministério Público decidiu extrair 15 certidões para posterior investigação em processo autónomo.

"Ao longo do inquérito foram efectuadas cerca de duas centenas de buscas, inquiridas mais de 200 testemunhas e recolhidos dados bancários sobre cerca de 500 contas, quer domiciliadas em Portugal quer no estrangeiro. Foi igualmente recolhida vasta documentação quer em suporte de papel, quer digital", diz o resumo.

Nesta investigação, o Ministério Público foi coadjuvado pela Autoridade Tributária.