​PSD aberto a negociar Orçamento com Governo, PCP diz que ainda é cedo
23-04-2021 - 17:13
 • Susana Madureira Martins

João Oliveira, do PCP, e Duarte Pacheco, do PSD, respondem na Renascença ao desafio lançado pelo presidente da Assembleia da República para que Governo e grupos parlamentares comecem, desde, já a "desdramatizar a viabilidade do próximo Orçamento" do Estado.

O PSD não fecha a porta a conversar com o Governo sobre o Orçamento do Estado (OE) para 2022, respondendo assim ao apelo feito, quinta-feira, pelo presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público.

Eduardo Ferro Rodrigues não uma, mas por várias vezes, insistiu que o Governo deve "ter uma atitude proativa" e encetar já negociações com os grupos parlamentares com vista à viabilização do próximo OE, "começando pelos grupos parlamentares dos partidos que o apoiaram na primeira legislatura, mas aberto a todos os grupos parlamentares. Ou seja, aberto também ao centro-direita e, portanto, com o PSD a ser chamado a jogo.

E os sociais-democratas não dizem que não. Duarte Pacheco, coordenador da bancada na comissão de Orçamento e Finanças, diz à Renascença que "o PSD nunca fechou a porta, quem fechou a porta no ano passado, logo a seguir ao orçamento suplementar, foi o primeiro-ministro".

O deputado social-democrata faz questão de lembrar que António Costa "disse que, se um dia o Governo dependesse do PSD para aprovar o Orçamento, o Governo acabava" e que, sendo assim, "o apelo que o senhor presidente da Assembleia está a fazer é, em primeiro lugar, dirigido ao senhor primeiro-ministro, para que não tenha uma atitude tão radical e que esteja disponível" para conversas à direita.

Duarte Pacheco coloca o jogo na mão do primeiro-ministro e garante: "sempre estivemos disponíveis porque o interesse nacional é muito maior do que qualquer interesse político partidário".

Ressalva que é preciso ver primeiro a proposta de OE que o Governo venha a apresentar e, depois, os deputados do PSD estarão "naturalmente abertos" a dizer o que que acham "relevante que o orçamento contemple e fazer a avaliação".

Ou seja, depende sempre daquilo que os sociais-democratas acham importante e se "foi ou não foi contemplado" na proposta que deverá surgir em outubro e depois, como é hábito, discutida e votada em novembro. Faltam seis meses e Duarte Pacheco admite que falar disto "em abril ainda é cedo" e colocando um obstáculo entretanto: "porventura, antes do Orçamento para 2022, poderemos ainda ter com grande probabilidade um orçamento retificativo".


É a convicção que o partido liderado por Rui Rio vem tendo há muito tempo, em que é de resto acompanhado pelo Bloco de Esquerda, de que o Orçamento do Estado para 2021 não chega e o Governo precisará mesmo de apresentar um "retificativo ou suplementar como lhe queiram chamar, porque o orçamento inicial era demasiado otimista e não contemplou a real situação da pandemia que ainda estamos a viver", diz Duarte Pacheco.

O deputado social-democrata puxa dos galões e recorda que "o orçamento suplementar do ano passado foi viabilizado pelo PSD pelo princípio do interesse nacional e de dotar o Governo dos meios necessários de combate à crise, mas tudo isto depende das propostas em concreto", deixando implícito que o partido conta mesmo para o baralho, se for caso disso.

Fica, entretanto, o aviso de Duarte Pacheco para memória futura: “quem fechou a porta no ano passado foi o PS pela voz do seu líder. O PSD nunca disse que não. Não podem é, depois de dizer que não querem sequer conversar porque têm é um acordo com os parceiros naturais, vir a seguir dizer que seja então a oposição natural a viabilizar aquilo que os seus parceiros naturais não estejam disponíveis para aprovar".

PCP avisa que "não há orçamentos aprovados ou rejeitados" à partida

Ora, entre os "parceiros naturais" do Governo, é com as maiores dúvidas que o PCP olha para as declarações de Ferro Rodrigues ao programa Hora da Verdade sobre as negociações "tão cedo quanto possível" em torno do OE de 2022.

O líder parlamentar comunista, João Oliveira, lança, de resto, várias farpas ao presidente da Assembleia da República, considerando a proposta de negociar já o diploma do Governo "desfasada no tempo e desfasada da forma como essa matéria costuma ser tratada".

“Ainda não temos sequer quatro meses de execução orçamental do Orçamento do Estado de 2021 e já se está a adiantar a discussão do Orçamento de 2022", diz João Oliveira à Renascença, acrescentando que a intervenção de Ferro Rodrigues "não corresponde àquilo que é absolutamente prioritário que é perceber qual é a exceção que o Governo está a fazer do OE que foi aprovado para 2021”.

Para os comunistas, é absolutamente prioritário acompanhar a execução orçamental em curso e, para isso, têm reuniões regulares com o Governo.

Duro com Ferro, o líder parlamentar do PCP diz mesmo que se trata de "uma discussão colocada de forma errada porque é fácil de perceber que não há orçamentos aprovados nem rejeitados à partida, é preciso fazer uma discussão sobre aquilo que, em concreto são as necessidades do país".

Ou seja, "estar a querer à partida dizer se há orçamentos aprovados ou rejeitados não corresponde manifestamente a nada daquilo que o PCP tem considerado como critérios de abordagem a estas questões do orçamento", afirma o deputado.


Tudo com calma e no tempo certo, portanto, com o dirigente comunista a colocar todo o peso no Governo quer no calendário, quer no conteúdo da proposta que vier a ser entregue e que "não está dependente" da vontade do PCP, nem sequer "a fixação de algum prazo" de discussão.

Esse debate há de ser feito "a partir do momento em que o Governo entender que há uma proposta de OE para discutir e que ela possa ser apreciada, avaliada e discutida", mas - e João Oliveira insiste muito neste ponto - , "não é em Abril de um ano que essa discussão deve começar a fazer-se", até porque ainda há "nove meses pela frente de execução do orçamento que foi aprovado no ano passado".

É, aliás, na execução orçamental que o PCP tem estado focado e são periódicas as reuniões com o executivo, sendo "fundamental" para os comunistas que "o governo utilize o orçamento de 2021 para dar a resposta que o país necessita que seja dada do ponto de vista económico e social para ultrapassar os problemas que temos", assume Oliveira.

"Essa é a prioridade da qual não é possível ninguém desviar-se para começar a fazer discussões antecipadamente sobre o orçamento de 2022", conclui o líder parlamentar comunista, que acrescenta que "a seu tempo, mais para o final do ano, haverá condições para fazer essa discussão, não agora que a prioridade é saber qual é a execução do orçamento de 2021 face aos problemas do país".

Em mais uma resposta ao presidente da Assembleia da República, que deseja uma negociação do OE de 2022 o mais abrangente possível e estendida ao PSD, João Oliveira deixa o recado: "a opção de fazer essa discussão à direita é uma opção que o Governo tem de fazer e é o Governo que assume a responsabilidade da opção que fizer".

Assim, para os comunistas, essa é uma questão de escolha, ou seja, fica implícito que ou o primeiro-ministro escolhe negociar à esquerda ou à direita, com os dois lados do hemiciclo ao mesmo tempo é que para o PCP pode ser meio caminho andado para saltar fora.

Questionado se o envio dos três diplomas dos apoios sociais para o Tribunal Constitucional (TC) pode contaminar futuras negociações, nomeadamente sobre o Orçamento do Estado, João Oliveira não é taxativo, apenas diz que o Governo agiu em "função dos critérios do défice", não foi problema que tivesse "aparecido de repente" , já tinha sido "identificado há mais tempo”. E aconselha o Governo a não procurar "criar obstáculos aos apoios sociais", mas a assegurar "a sua execução em função das necessidades do país".

O primeiro-ministro já fez questão de dizer, publicamente, que não será por causa da aprovação destes diplomas pelo Parlamento, que incluiu os votos favoráveis da esquerda, que deixará de negociar o Orçamento do Estado com o PCP e com o BE.

Precisamente no dia em que anunciou o envio daqueles diplomas para o TC, António Costa garantiu que quanto ao Orçamento para 2022, "não há nenhuma razão" para não "negociar com os parceiros parlamentares" dos últimos anos, vincando que esse "Orçamento do Estado para 2022, tem de ser cumprido, tal como o de 2021 tem de ser cumprido".

E, dando razão antecipada ao líder parlamentar do PCP sobre a necessidade de dar prioridade à execução orçamental, Costa rematou esta resposta aos jornalistas no dia 31 de março com um: "para já o que está na ordem do dia é mesmo dar execução e cumprir o Orçamento do Estado para 2021".

Quanto ao Bloco de Esquerda reservou-se ao silêncio sobre o teor da entrevista de Ferro Rodrigues, no que diz respeito às negociações do Orçamento do Estado do próximo ano, sendo, no entanto, pública a relação tensa entre o primeiro-ministro e a coordenadora bloquista Catarina Martins, sobretudo após o voto contra o Orçamento do Estado deste ano.