Chocada com a discussão sobre a eutanásia quando não foi feito ainda todo o investimento e debate sobre cuidados com qualidade em vida, a Irmã Paula Carneiro, que acompanha a área dos cuidados paliativos na unidade de saúde das Irmãs Hospitaleiras situada na Idanha, concelho de Sintra, denuncia: há camas destinadas a cuidados paliativos que ficam vazias durante dias por causa da burocracia e do mau funcionamento do sistema.
“Para nós, o doente não é uma doença, é uma pessoa. Quando se controlam sintomas, se dá afetividade e atenção, o doente não se sente um peso, sente-se digno até ao fim”, defende.
Em declarações à Renascença, Paula Carneiro revela que “cerca de 70% da população a precisar de cuidados paliativos não chega a ser referenciada".
"A referenciação, quando ocorre, acontece em fim de vida. Chegam-nos à unidade muitos doentes a 24h ou 48h de morrerem e estamos a perder qualidade em termos de cuidados paliativos, ainda que se esteja a apostar em diferentes dispositivos."
É com tom amargo que a irmã Paula Carneiro afirma que “a burocracia perturba a nossa resposta em tempo oportuno, que não acontece por causa de papeis”. E acrescenta: “Na plataforma, encontramos muitas desatualizações nos registos, doentes que já não existem e ninguém os tirou da plataforma. Há muita gente a sofrer que nitidamente, se tivesse acesso a cuidados paliativos, teria outra forma de olhar a vida e a doença."
“Existem momentos em que morrem três a quatro doentes num só dia. Até à ocupação dessas camas, estamos a falar de três a quatro dias. Em média temos 70% das camas ocupadas”, revela.
“Tenho a unidade cheia apenas por dois ou três dias, de resto tenho camas vazias”, lamenta.
Preocupada com esta situação recorrente questiona: “onde estão estes doentes? Em casa ou com a família sem cuidados adequados? Ou em unidades de medicina com profissionais que não sabem lidar com doentes destes? Há muitos pedidos de ajuda que nos chegam e nós não podemos ajudar”, acrescenta.
“Quando se pode escolher entre dois bens, escolhe-se o melhor”, mas “o que me parece é que neste momento não temos possibilidade de escolha, porque os cuidados paliativos não estão disponíveis para todos os que precisam deles”, sublinha.