O Presidente da República quer saber porque é que só um número muito pequeno de pessoas conseguiu obter, até agora, o estatuto de cuidador informal.
Marcelo Rebelo de Sousa interroga-se se isso acontece porque a lei que é demasiado restritiva, se é culpa da burocracia ou da falta de informação, e promete reunir, em breve, com as associações que representam os cuidadores informais, precisamente para saber o que é que se está a passar.
A Renascença falou com Maria Catapirra, vice-presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais, e perguntou se o problema é a legislação ser demasiado restritiva.
“Acho que é isso e não só”, responde.
“A lei é restritiva porque condiciona logo o número de cuidadores informais que podem pedir o seu reconhecimento a 148 mil. Para além disso o processo é extremamente burocrático, com a inclusão de uma série de documentos que vão desde o maior acompanhado a declarações médicas para atestar as funções cognitivas no consentimento do cuidador. Para além de tudo isto não é um processo que tenha sido devidamente divulgado e a grande maioria das pessoas não tem conhecimento que pode pedir este reconhecimento.”
Segundo Maria Catapirra, o universo de cuidadores informais rondará um milhão em Portugal. “Digamos que os números que nós temos são de cerca de 827 mil cuidadores informais, por estatística encomendada pelo Governo. Agora serão mais, depois da pandemia. Na Segurança Social apenas irão ser consideradas cerca de 148 mil que são as pessoas que têm complementos por dependência e assistência por terceira pessoa. Só aqui estamos a condicionar centenas de milhares de pessoas.”
“E depois deste leque que a Segurança Social considera há imensas pessoas com complementos de primeiro grau. Com os complementos de primeiro grau, para serem reconhecidas como cuidadores informais, as pessoas cuidadas são sujeitas a junta médica e há imensos médicos que têm recusado o reconhecimento da pessoa como cuidador informal, porque está em primeiro grau, porque ainda está acamada e porque eles não sabem muito bem o que são cuidados permanentes.”
A dirigente acredita, por isso, que o problema é profundo. “Acho que o legislador não tem, para já, números reais, não conhece, no terreno, o que é ser cuidador informal. Não se justificam uma série de pedidos que estão na lei. Isto tem de ser pensado em termos do tipo de cuidador que existe, há quanto tempo cuida, de quem cuida, para de certa forma aligeirar a burocracia que nos foi imposta através da regulamentação da lei.”
O caso de Maria Anjos Viana é paradigmático. A ex-professora já viu o seu processo recusado várias vezes. “Eu iniciei o meu processo em julho de 2020. Fui recusada a primeira vez, porque exigiam que o marido tivesse o complemento por dependência. Ora, o meu marido tem uma doença muito grave, esclerose lateral amiotrófica, com 95% de capacidade, mas a cabeça dele funciona perfeitamente, o que significa que com a mina ajuda e com a ajuda de amigos, ele continua a ser professor universitário. Dá as aulas através da internet. Nós não tínhamos a necessidade de pedir o complemento por dependência.”
Não obstante, Maria Anjos Viana foi pedir o documento. Entretanto, aconteceu outro percalço. “Entrou a pandemia, e as juntas médicas para a obtenção desse documento estavam paradas. E eu justifiquei que o complemento não tinha sido atribuído por falta da junta médica e juntei os comprovativos. Voltei a pedir, e voltei a ser chumbada.”
Desta vez, porém, a razão era outra. “Eu deixei de trabalhar para cuidar do meu marido. Sou professora e reformei-me antecipadamente. Mas eu era autora de manuais escolares, e então tinha uma empresa de fazer os manuais escolares. Eu deixei de fazer os manuais, mas continuei a ser sócia da empresa. Recusaram-me desta vez por ser membro estatutário de uma empresa, o que não está na legislação do cuidador, não diz que não se pode ser membro de órgão estatutário.”
A recusa surgiu, então, apesar de Maria Anjos Viana não auferir qualquer remuneração por aquele cargo. “Tive que gastar várias centenas de euros no notário para deixar de ser sócia desta empresa”, diz, e voltou a fazer o pedido. “Até agora ainda não tive qualquer resposta.”
“Eu não quero nada da Segurança Social, só quero que digam que sou cuidadora do meu marido, não estou a pedir verba, não estou a pedir nada, apenas aquilo a que tenho direito”, nomeadamente “o reconhecimento da sociedade por aquilo que faço, porque a lei deu-me esse direito, e a Segurança Social não está a dar”, lamenta.