O Governo chinês anunciou, na quarta-feira, que ia desbloquear a exportação de matérias-primas – zinco, alumínio, cobre e outros metais -, de forma a colocar um travão na inflação de preços ao nível mundial. Na teoria, esta seria uma boa notícia para todos os países que estão dependentes de bens provenientes da nação liderada por Xi Jinping.
A China, porém, não revelou quantidades ou datas para o desbloqueio. Ouvidos pela Renascença, representantes da indústria metalúrgica, automóvel e do setor empresarial em Portugal veem o anúncio com ceticismo. Aliás, há mesmo quem acuse a China de estar a implementar uma política contrária.
“A situação tem vindo a agravar-se e a notícia que temos é que a China está a reduzir a produção e a aumentar a importação. Portanto, para já está a ir em sentido contrário daquilo que anunciou", diz Rafael Campos Pereira, vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP).
Segundo o representante da AIMMAP, a China está a reduzir a produção e a importar, ou seja, “mantém os seus stocks de matéria-prima potencial, aquela primeira transformação que é feita da matéria-prima, para poder produzir ligas de alumínio, aço, etc.”
“Está a baixar essa produção, importando, pressionando ainda mais os mercados mundiais. Mantém em carteira a possibilidade de vir a produzir quando precisarem, mas não há notícia nenhuma de que neste momento estejam a contribuir para baixar, pelo menos até ao momento. Nós aqui em Portugal o que sentimos é que a situação está cada vez pior”, garante Rafael Campos Ferreira.
Os números compilados pela AIMMAP relativos aos últimos 12 meses traçam um cenário negro. Por exemplo, o preço de um lote de cobre, que em maio de 2020, custaria cerca de 5.300 dólares, neste momento já ultrapassa os 10 mil dólares; no mesmo período, um lote de estanho subiu de 15 mil para 25 mil dólares.
Oportunidade para especulação?
No curto-prazo, Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), tem dificuldade em antecipar uma descida de preços das matérias-primas. Não por causa dos bens em si, mas por questões logísticas.
“A China pode dizer que vai voltar a fornecer matérias-primas, mas desde o dizer até de facto as matérias-primas chegarem cá, isto demora muitos dias. E demora muitos dias que significam dificuldades no cumprimento de compromissos e de contratos que as empresas tinham assumido”, alerta.
O responsável máximo da AEP não consegue, por isso, estabelecer um calendário para uma possível retoma da normalidade de preços. “Primeiro, não sei qual é a escassez ou o nível de escassez que esta situação provocou. Em segundo, não sei qual será a capacidade de resposta, em termos logísticos, do transporte destes produtos, destas matérias-primas. Até porque é preciso não esquecer que a logística, nomeadamente ao nível do transporte marítimo, está muito concentrada em dois ou três grandes operadores mundiais. Por isso, há aqui muitos fatores que nós não controlamos e que, neste momento, para arriscar uma resposta, não seria muito responsável”, explica.
De acordo com Luís Miguel Ribeiro, antes de falarmos no fim de inflação de preços, descida da inflação, é essencial “perceber de que forma é que estes - entre aspas - lobby dos operadores de transporte vai responder a isto. Se nos vai ou não facilitar a vida em termos de transporte ou se vai fazer desta dificuldade uma oportunidade de negócio para eles”.
Por sua vez, José Couto, presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), confessa-se otimista numa redução de preços com a notícia da China - mas avisa que valores não devem regressar ao pré-pandemia.
“Uma expetativa é positiva, mas estamos bastante receosos que os preços não baixem para os valores que tínhamos do início do ano de 2020. Ainda não percebemos o que esteve na base, se é uma questão de quantidades, de procura, se foi uma questão de especulação. Enfim. Estamos otimistas que as matérias-primas possam baixar os preços, mas não tanto o que seria desejado”, afirma.