Uma turma de 5.º ano da Escola Básica 2,3 Professor Delfim Santos, do Agrupamento de Escolas (AE) das Laranjeiras, em Lisboa, não teve professores de Educação Musical e de Educação para a Cidadania durante todo o ano letivo 2019/20. Este ano, passadas cinco semanas do início das aulas, a situação mantém-se. Mais: até ao início desta semana, havia uma outra turma de 2.º ciclo na mesma escola com apenas quatro dos nove professores.
Paula Rodrigues, presidente da Associação de Pais da Escola Básica 2,3 Professor Delfim Santos, tem dois filhos na instituição. O mais novo, que frequenta o 1.º ciclo, tem em falta a professora de Inglês. Já a filha mais velha, aluna do 3.º ciclo, ainda não tem professor de História. “Já o ano passado teve um professor de História que foi colocado tardiamente [no final do primeiro período]. Se tivesse que avaliar, nestes dois anos, as aprendizagens que ela realizou em História são mesmo muito medíocres”, conta, em declarações à Renascença.
Segundo o blogue especializado em ensino DeAr Lindo, a Escola Básica 2,3 Professor Delfim Santos é, ao nível nacional, aquela que mais horários ainda tem por preencher: são 20, segundo dados do dia 10 de outubro. Este registo, entretanto, terá sofrido mudanças, tendo em conta que a Direção-Geral da Administração Escolar anunciou, esta sexta-feira, a contratação de mais 725 docentes na Reserva de Recrutamento 6.
Paula assume que não é “das pessoas mais afetadas” pela falta professores, nem culpa o AE das Laranjeiras por esta situação. O problema, sublinha, está noutro nível: da tutela.
“A questão de falta de docentes do 2.º ciclo não é uma questão nova. É uma questão que se tem vindo a agudizar, até porque a classe etária dos docentes do segundo ciclo é bastante elevada. Só que este ano houve ainda uma maior agudização deste fenómeno porque houve professores que colocaram as baixas de risco devido à pandemia”, afirma.
Acima de tudo, a responsável pela Associação de Pais quer soluções. Para colmatar a falta de docentes, sugere a criação de um “subsídio de deslocamento à semelhança do que acontece com os deputados” – até porque não se pode “comparar os índices salariais de um deputado com um professor”. “Os professores em início de carreira ganham mil euros”, lembra.
Ainda no ano passado, o AE das Laranjeiras enviou uma missiva a Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, a “apelar que houvesse a criação de residências semelhantes às residências universitárias, mas para alojamento de professores”. “Nós sabemos que uma variável que de facto impede os docentes de aceitar as colocações em Lisboa, nos grandes centros urbanos, é o elevado custo da fixação”, diz.
Outra ideia que lança: dado que há um “excedente” de professores de primeiro ciclo que não são colocados, talvez o regime do segundo ciclo pudesse ser alterado. “Em Espanha, há um regime semelhante ao primeiro ciclo no segundo ciclo. Há um professor titular e depois é coadjuvado. O que nós sugeríamos era que houvesse uma inventariação dos recursos que existem em excesso no 1.º ciclo e que fosse criado um programa de requalificação”, diz.
A Renascença tentou contactar a direção do AE das Laranjeiras, mas sem sucesso.
Um problema “estrutural”
Apesar das múltiplas levas de recrutamento, continuam a faltar centenas de docentes em vários estabelecimentos de ensino nacionais. Lisboa, em todo o caso, é a região mais afetada. Da lista de 12 escolas com mais horários vagos, compilada no blogue DeAr Lindo a 10 de outubro, dez estavam situadas na região de Lisboa e Vale do Tejo, e duas no Algarve (uma em Silves e outra em Portimão).
“O que acontece em Lisboa é que muitos professores que lá estão colocados, como têm um estatuto que mais nenhuma carreia tem, pedem de imediato mobilidade”, diz Jorge Ascensão, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, em declarações à Renascença.
A expectativa de Jorge Ascensão é que a falta de docentes seja suprida de forma mais célere “na contratação por escola”, após o findar de todas as vagas de recrutamento. Este constrangimento deve “fazer pensar o Governo e todos os governos na necessidade de discutir isto com os representantes dos professores. Porque, de facto, o modelo de contratação dos professores todos os anos leva a esta situação", afirma.
Em declarações à Renascença, Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Diretores Escolares, confirma que o problema da falta de professores está maioritariamente circunscrito a Lisboa. “Às vezes, como a maioria dos professores disponíveis é do Norte, não estão disponíveis a ir trabalhar para a Grande Lisboa. Não ganham para as despesas, tem a haver com isso”, diz.
Segundo Manuel Pereira, as autarquias devem ter uma palavra a dizer nesta situação. “Ou a tutela considera horário completo, mesmo para quem aceita um horário incompleto. Ou então as autarquias vão ter de encontrar uma solução para estimular a aceitação dos horários por parte dos professores. E esse estímulo poderá passar por financiar a estadia dos professores, enquanto são colocados nessas escolas”, aponta.
Espécie rara: professores de TIC
Os professores de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) são a espécie mais rara e aquela pela qual há mais procura a nível nacional. Na Reserva de Recrutamento 6 foram foi apenas possível contratar dois docentes.
"Neste momento, só há falta de professores de informática. Já havia no ano passado. Nós apresentamos várias propostas à tutela para tentar resolver o problema, mas ficou tudo muito parado. E depois veio o Covid-19 e não avançou nada", diz Fernanda Ledesma, presidente da Associação Nacional de Professores de Informática (ANPRI), à Renascença.
A escassez de docentes de TIC, segundo Fernanda, está relacionada com o passado recente do país e os cortes no ensino. Em 2009, existiam cerca de 5 mil professores de TIC no Ensino Público. Mas os cortes dos ministros – “Maria de Lurdes Rodrigues, Isabel Alçada e Nuno Crato” – levaram a uma redução para pouco mais de três mil, quando chegados a 2012. “Na altura, esses professores eram contratados, não foram postos fora. Deixaram foi de ter horário”, explica.
Muitos destes docentes ficaram “desorientados”, mudaram de carreiras e abandonaram o ensino. Hoje, existem apenas cerca de 3500 professores de TIC no “mercado”. “Ninguém está dez anos à espera que o sistema volta a precisar dele para o chamar. Embora agora alguns tenham voltado, não foi em número suficiente”, diz.