Vai sair em liberdade em setembro a mulher que abandonou o filho recém-nascido num ecoponto, em Lisboa. Ao que avança o jornal “Público” neste sábado, o Supremo Tribunal reduziu a pena de nove anos de prisão para um ano e dez meses.
Um dos argumentos invocados pelos juízes Paulo Ferreira da Cunha e Teresa Féria relaciona-se com a alegada perturbação pós-parto que terá afetado o discernimento da mulher.
Tudo aconteceu na madrugada de 4 para 5 de novembro de 2019. Sara Furtado, com pouco mais de 20 anos, mendigava e arrumava carros na rua. Teve o bebé sozinha e colocou-o no ecoponto ainda com resquícios do parto.
Voltou depois à tenda onde dormia com o companheiro, lavou-se e vestiu uma roupa limpa. Quando passou no dia seguinte pelo local, onde vários sem-abrigo diziam ouvir um bebé a chorar, fingiu-se empenhada em procurar o bebé também e disse-lhe que ali não estava nada, convencendo-os a ir embora.
Mas os sem-abrigo continuavam a ouvir o choro e acabaram por encontrar o recém-nascido no ecoponto na Avenida Infante D. Henrique, em Lisboa (zona de Santa Apolónia). Durante a tarde de dia 5, as autoridades receberam o alerta.
O bebé foi transportado ao Hospital Dona Estefânia e depois transferido para a Maternidade Alfredo da Costa por não carecer de cuidados complexos médicos e cirúrgicos, apesar de se encontrar em hipotermia.
Na altura, a presidente do Instituto de Apoio à Criança (IAC) defendeu que a jovem expôs o bebé ao abandono sem querer matá-lo. Segundo Dulce Rocha, a mulher estava numa situação de vulnerabilidade que a levou a abandonar o filho.
O Ministério Público pediu “uma pena de prisão não inferior a 12 anos”, alegando que, depois de ter sido encontrado o bebé, a arguida “não quis saber” e “não demonstrou qualquer arrependimento”.
Quase um ano depois (setembro de 2020), confessou que deitou o bebé num ecoponto, não para se desfazer dele mas com a intenção de que fosse encontrado, justificando o ato com a "vergonha" e o "medo" de ter um filho e viver na rua.
Sara está agora prestes a ser libertada, mas o seu grau de responsabilidade não é tema consensual entre as autoridades judiciais. O Tribunal da Relação de Lisboa tinha-lhe mantido os nove anos de prisão decretados em primeira instância por tentativa de homicídio na forma qualificada, uma vez que o crime foi cometido contra um filho.
Na sentença da primeira instância, lia-se: “Há uma especial censurabilidade ou perversidade, uma vez que a morte do filho, tal qual preconizada pela arguida, consubstancia uma atitude cobarde de disposição de uma vida humana que não mais lhe pertence”. Os juízes descartavam, assim, a hipótese de o comportamento se dever a uma perturbação pós-parto.
Contudo, o Supremo Tribunal entendeu que Sara Furtado – que tinha 22 anos quando engravidou – cometeu um delito menos grave do que a tentativa de homicídio.