O juiz Carlos Alexandre considera que Azeredo Lopes teve um papel essencial “em toda a engrenagem” da recuperação encenada das armas furtadas em Tancos, que conhecia a investigação paralela da Polícia Judiciária Militar e que não a quis denunciar.
“A participação de Azeredo Lopes foi essencial em toda a engrenagem. Foi o aval de Azeredo Lopes, que tudo podia ter denunciado e impedido, que transmitiu confiança a todos os demais arguidos que, também em seu nome, atuaram”, lê-se no despacho de pronúncia, a que a agência Lusa teve acesso, onde é referido que a prova indiciária do processo é "impactante".
O juiz de instrução decidiu levar a julgamento os 23 arguidos do processo sobre o furto e recuperação das armas de Tancos, nos exatos termos da acusação, estando o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes pronunciado por denegação de justiça e prevaricação, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder e denegação de justiça.
O juiz afirma não ter dúvidas da participação do então ministro na encenação da recuperação das armas e considera que este violou deveres éticos.
Carlos Alexandre considera que o então governante não exerceu, “porque não quis” os seus poderes hierárquicos sobre o então diretor da Polícia Judiciária Militar Luís Vieira [também arguido] e que este ordenou uma “investigação paralela e clandestina” ao furto do armamento, desrespeitando a decisão da então Procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal.
O poder disciplinar para com a PJM era da responsabilidade de Azeredo Lopes, nota o juiz, acrescentando que o ex-titular da pasta da Defesa “deu cobertura política e beneplácito à atuação da PJM”.
O juiz subscreve a acusação do Ministério Público (MP) quando é referido que a “cobertura política e a concordância de Azeredo Lopes” foram no âmbito de uma atuação extraprocessual que a PJM desenvolveu, e que esta contou “com o apoio e a concordância do ministro numa investigação paralela e clandestina que implicou a celebração de um acordo de impunidade com os assaltantes para que as armas fossem devolvidas”.
“A PJM desenvolveu uma atividade investigatória paralela, clandestina, à margem do processo-crime ocultando a atuação ao MP. Luís Vieira deu instruções para que essa investigação ficasse na esfera da PJM e que não fosse dado conhecimento ao MP. E de tudo isto Azeredo Lopes tinha conhecimento, tendo escutado o desagrado de Luís Vieira e os seus desabafos pela retirada de competência de investigação à Polícia Judiciária Militar e recebido documentos de Luís Vieira com esse desagrado”, lê-se no extenso documento de mais de 2.460 páginas.
O juiz ficou convencido de que “não havia outra peça, neste tabuleiro de Tancos, melhor colocada que Azeredo Lopes para denunciar ao MP que Luís Vieira estava a extravasar as suas competências e que a sua conduta estava a afrontar e a desrespeitar uma decisão da PGR”, sublinhando que entre ambos “havia uma relação de confiança” e que o ex-ministro era “uma espécie de confidente, um muro de lamentações” do coronel.
A entrega do memorando por Luís Vieira a Azeredo Lopes [em 04 de agosto de 2017] visava, segundo o despacho de pronúncia, que o ministro apoiasse a decisão do diretor da PJM para que “fosse de que modo fosse” o material furtado fosse recuperado, tendo a PJ Militar tentado “descredibilizar a PJ" com fugas de informação.
“A PJM e a GNR levaram a cabo uma investigação ilegal e paralela com total desconhecimento do MP e da PJ. Luís Vieira desrespeitou e afrontou a Procuradora-geral da República e a PJM lançou-se numa investigação paralela e clandestina”, e sem qualquer fundamente legal, refere.
“A PGR nunca acreditou que um Órgão de Polícia Criminal desrespeitasse e ordenasse, secundado por outros investigadores da PJM e arrimado por Luís Vieira uma investigação por conta própria sem qualquer fundamento legal e que no âmbito da iniciativa tivesse lugar um acordo com criminosos que passava por conferir a estes uma espécie de amnistia pelos crimes que tinham cometido”, lê-se no despacho.
O magistrado argumenta que “não é razoável” que o diretor da PJM “emita comunicados oficiais públicos falsos com referência a factos que não correspondem à realidade para obter para a instituição que dirige o sucesso de feitos que mais não foram que uma verdadeira teatralidade”.
Alega também que “não é razoável” que Azeredo Lopes tivesse na sua posse documentos “que sabia estarem sujeitos ao segredo de justiça e como tal não podia ter acesso aos mesmos”, lembrando que o ex-ministro é professor de Direito.
“Também não é razoável que um ministro mantenha contactos com o diretor da PJM para abordar inquéritos do campo da justiça e que tenha conhecimento de uma investigação paralela e desrespeitadora da decisão do MP e da PGR, que tem conhecimento das reações desabridas do diretor da PJM com a PGR devido a discordâncias e que tem conhecimento da desconformidade entre o comunicado oficial tornado publico”, observa.
O magistrado subscreve a acusação da PJ e do Ministério Público de que o plano de recuperação do material de Tancos “era também um plano assumido pelo ministro”.
Carlos Alexandre considera ainda “bizarro” que o ministro diga que o seu chefe de gabinete não lhe deu conhecimento do documento que relatava a encenação do “achamento” das armas pela PJM e GNR, o denominado memorando.
“Bizarro é afirmar que o chefe de gabinete não lhe transmitiu o documento que narra uma moscambilha que depois vai levar à sua demissão e ainda assim nunca ter denunciado o general Martins Pereira” nem dito que este “tinha sido negligente em não reportar um assunto com aquela gravidade”, como foi o furto de armamento de guerra dos paióis nacionais.
“Bizarro é fazer-se de coitadinho e de irresponsável e escudar-se na confiança institucional ou na ausência de menção a Tancos para branquear aquela que foi a sua atuação e que consistiu em honrar elementos da PJM e da NIC/GNR de Loulé por feitos que Azeredo Lopes sabia que não eram verdadeiros”, acrescenta o magistrado para quem a conduta do ex-governante neste caso foi de extrema gravidade.
Nove dos arguidos são acusados de planear e executar o furto do material militar dos paióis nacionais e os restantes 14, entre eles o antigo ministro da Defesa e os dois elementos da PJM, de terem efetuado uma investigação ilegal e paralela à da PJ e de terem encenado a recuperação do armamento.
Nem julgamento estarão crimes que vão desde terrorismo, associação criminosa, denegação de justiça e prevaricação até falsificação de documentos, tráfico de influência, abuso de poder, recetação e detenção de arma proibida.