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Afirmou recentemente que a discussão sobre a legalização da eutanásia é uma “maldade” que estão a fazer aos portugueses. Como pode uma discussão ser uma maldade?
A eutanásia é uma matéria muito específica porque aparece como um direito e rapidamente se torna num dever. Internacionalmente é conhecido como efeito rampa: após a legalização, todo o aquele que se encontre numa situação de dependência, de carência, de se sentir um peso para a família para a sociedade, acaba por ter a “obrigação” de pedir eutanásia. E esta ferida que se abre na sociedade é uma maldade que fazemos a todos, pois todos podemos cair nessa situação. É uma maldade que se está a fazer aos portugueses
E acredita que a eutanásia pode ser aplicada sem critério?
Essa é uma segunda dimensão, outro tipo de consequência. A eutanásia começa sempre por ser legalizada para casos muito restritos, pontuais, muito limitados, mas rapidamente é aberta a possibilidade de se recorrer à eutanásia em casos, como na Holanda, em que os pais a pedem para os filhos porque são doentes do foro psicológico.
É uma porta que fica escancarada, um caminho muito perigoso de se fazer e que deve merecer profunda reflexão sobre o que está em causa, independente destas previsões que possamos fazer. O que está em causa é mesmo a decisão civilizacional, saber se o Estado tem legitimidade para decidir sobre vidas, se têm ou não valor. Será um retrocesso civilizacional se o Estado considerar algumas vidas descartáveis, como dizia o Papa Francisco. Um regresso a uma sociedade espartana onde o Estado se arvora do direito de eliminar pessoas. Percorrer esse caminho é mesmo uma maldade que se está a fazer a todos os homens e mulheres.
Mas o debate, pelo menos, não é por si só uma vantagem, um benefício?
Pensamos que sim, que de facto vale a pena falarmos dos problemas, não defendemos uma sociedade de obscuridade. Aliás, nós próprios avançámos com uma petição que já entrou no Parlamento, com o título “Toda a vida tem dignidade”. Essa petição, que recolheu quase o dobro de assinatura do que aquela que será debatida no dia 1, foi feita num quadro de esclarecimento. Debater cria esta consciência cívica sobre o que é a vida e que respeito devemos ter pela natureza ou se há um poder que elimina a natureza, como já aconteceu noutros domínios e que tanto nos arrependemos. Temos de voltar a uma ecologia humana, de protecção das características do ser humano. Protecção que deve ser função do Estado
Há, afinal, um défice de debate?
Esta é uma discussão que está agora a começar. Nada está decidido. É preciso que o país tome consciência disto e esperamos que haja um debate alargado, capaz de esclarecer as pessoas e que vai para além dos poderes dos próprios deputados. Portanto, parece-nos que há um caminho grande a percorrer. Recordo palavras do presidente da Assembleia da República, quando recebeu a nossa petição: esta petição terá de ter um percurso que enriqueça o debate, o país não está preparado para uma decisão destas.
É esse trabalho que espera do Parlamento e o apelo que deixa aos deputados?
Sim, que haja essa análise, uma vontade em ouvir especialistas e especialmente os médicos, toda a sociedade.
Que avaliação faz da capacidade do país para os cuidados continuados e paliativos. É uma matéria que deve entrar ao mesmo tempo no debate?
Esse debate deve ser feito na globalidade. A eutanásia aparece como resposta ao sofrimento, mas essa resposta não pode ser a morte. O que dizemos é que é preciso investir mais nos cuidados de saúde, paliativos e continuados, investir na mentalidade da solidariedade e da entrega. Não podemos permanecer numa sociedade de solidão. Este debate pode ajudar a encontrar caminhos neste sentido.