Um mês e meio depois de o Tribunal Constitucional (TC) ter chumbado o texto do Parlamento que legaliza a morte medicamente assistida, os partidos que desenharam a lei estão de regresso às negociações e, segundo sabe a Renascença, o novo diploma está "quase" pronto.
Segundo fontes parlamentares ligadas a este processo, as bancadas que estiveram na origem da lei - PS, Bloco de Esquerda, Iniciativa Liberal e PAN - têm estado em contacto de forma informal para encontrar uma fórmula consensual que responda ao chumbo do TC.
À Renascença é dito que o texto esteve a ser "trabalhado" de modo a que possa haver, ainda esta semana, uma indicação de discussão e votação do diploma. Esta terça-feira só faltavam algumas "formalidades" relacionadas com últimos contactos entre bancadas.
Fontes parlamentares apontam mesmo para que na conferência de líderes desta quarta-feira já possa fixar-se o agendamento do novo texto para apreciação em plenário.
À Renascença é dito por um deputado envolvido nestas conversas informais entre bancadas que o entendimento é que processo não tem de voltar a passar nem pelo grupo de trabalho criado para discutir a morte medicamente assistida, nem pela comissão de Assuntos Constitucionais.
A mesma fonte considera que "o processo legislativo não continua eternamente" e que a nova fórmula que tem estado a ser consensualizada pelos partidos não precisa de voltar a essa fase de especialidade antes de ser apreciada no plenário.
Solução para responder ao TC "não é fácil"
Em janeiro, ao chumbarem o diploma aprovado pelo Parlamento, os juízes do TC consideraram que "foi criada uma intolerável indefinição quanto ao exato âmbito de aplicação da nova lei”.
O presidente do TC, João Caupers, referiu na leitura do acórdão que a nova lei da eutanásia não esclarece a definição de "sofrimento" para que uma pessoa possa ter acesso à morte medicamente assistida.
"Ao proceder a tal fiscalização, o Tribunal conclui que tendo o legislador decidido caracterizar a tipologia de sofrimento através da enumeração de três características (‘físico, psicológico e espiritual') ligados pela conjunção ‘e’, são plausíveis e sustentáveis duas interpretações antagónicas deste pressuposto. Assim fazendo, o legislador fez nascer a dúvida, que lhe cabe clarificar, sobre se a exigência é cumulativa (sofrimento físico, mais sofrimento psicológico, mais sofrimento espiritual) ou alternativa (tanto o sofrimento físico, como o psicológico, como o espiritual)", afirmou João Causpers.
Na reação imediata ao acórdão dos juízes do Palácio Ratton, Isabel Moreira, do PS, lamentou o "problema semântico" que "foi suficientemente forte para uma pronúncia de inconstitucionalidade. O ‘e’ não significa ‘ou’. O ‘ou’ não significa ‘e’. Se é uma questão de mudar uma conjunção, cá estaremos”, concluiu a deputada e dirigente socialista.
Na altura, também João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, considerou que "será desta" que Portugal terá uma lei da eutanásia, depois do chumbo do Constitucional.
Ora, um mês e meio depois, fonte parlamentar envolvida nas negociações entre as bancadas diz à Renascença que essa facilidade em encontrar uma fórmula que agrade aos juízes do TC é "subjetiva" tendo em conta os anos que o processo legislativo da eutanásia já leva.
A mesma fonte desabafa com um "não é fácil depois de tantos anos" de discussão e de dois chumbos do TC. "Basta uma coisa para acharmos que é difícil", sendo que neste caso as alterações ao texto chumbado não são de fundo. "Não é muita coisa", admite-se.
A expetativa de ter encontrado a solução que agrade ao TC é por isso baixa entre as bancadas proponentes. O processo é considerado "frustrante e penalizador", diz um deputado à Renascença, que assume que já teve "muitas expetativas" que "neste momento" não tem "nenhuma", rematando com um "não chamo a isso fácil".