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Rita Morales está na Madeira há um ano e, a uma distância de 5.700 quilómetros, vê um país de pernas para o ar. E ilustra-o com um paradoxo: “Na Venezuela são os delinquentes a proteger os cidadãos da guarda nacional e das forças armadas”.
Ela, o marido, José, e os três filhos menores deixaram na Venezuela, em 2017, uma loja de ferragens da família ainda lucrativa e um bom apartamento, mas a situação era impossível de aguentar.
A possibilidade de mudanças políticas no país, com o presidente da Assembleia Nacional (Parlamento), Juan Guaidó, de 35 anos, a autoproclamar-se Presidente interino do país, reabre a esperança dos luso-venezuelanos que estão na Madeira.
À Renascença, Rita defende que é “uma nova oportunidade, porque o apoio internacional ainda não tinha acontecido”. Os EUA, o Brasil, a Colômbia, entre outros, num total de 12 países, já reconheceram Guaidó como o líder interino da venezuelano. Do outro lado, ao lado do contestado Presidente Nicolás Maduro, há cinco países, incluindo a Rússia e a China.
“Para nós é um passo de gigante. É uma oportunidade que se está a dar. Se a deixarem passar, quer dizer que o ditador vai ficar 'forever'."
Ana Cristina Monteiro, presidente da Associação da Comunidade de Imigrantes Venezuelanos na Madeira (Venecom), também segue a situação com muita atenção. “Há esperança”, afirma.
Está otimista mas também é realista. O passado a isso o obriga. “Noutras oportunidades aconteceram coisas similares, e não aconteceu nada. Embora considere que agora a situação é diferente, o presidente Guaidó tem uma postura muito equilibrada, muito calma”, elogia.
Lídia Albornoz, professora na escola primária do Caniço, na Madeira, esteve 20 anos na Venezuela e é hoje uma das vozes mais ativas da comunidade luso-venezuelana na região autónoma.
À Renascença, afirma que é “complicado perceber o que vai acontecer”. Há uma grande incerteza. Mas Lídia vive o dia-a-dia com a cabeça no outro lado do Atlântico, onde a “família do marido vive toda”.
“Falamos pouco com eles, e das poucas vezes que conseguimos dizem que têm medo de sair à rua porque, neste momento, estão a vandalizar quase tudo”, explica.
A violência como constante
A violência é mesmo uma das imagens mais fortes do país atualmente. O medo de uma guerra civil é bastante real, e aumenta à medida que as posições se extremam.
Ana Cristina Monteiro relata uma “situação muito grave”, que tem de redundar numa mudança.
“Não é por motivos políticos, é por motivos sociais. As pessoas estão a passar fome, comem do caixote do lixo, e não têm medicamentos, nem médicos. Não têm segurança, nem confiança no sistema.”
O momento, revela, é quase de um Estado falhado em que as instituições não funcionam.
“Estamos a ver muitos feridos, mortos e presos políticos. Há jovens a serem agredidos brutalmente pela polícia do estado. São presos sem processos e sem inquéritos. Sem nada. São agredidos e são assassinados. As pessoas fazem manifestações pacificas sem armas, e são repelidos pelas policias do governo”, descreve.
A professora Lídia faz a mesma descrição. “O que mais me impressiona são os números de mortes que aqui se falam que são 24, mas esses números nunca são reais”, afirma.
“Os que mais morrem são jovens, encontram-nos todos os dias no meio da estrada”, concretiza, ao mesmo tempo que diz desejar que “a justiça divina seja feita, e saia do poder o usurpador do poder que é o Nicolás Maduro”.
Rita Morales, por sua vez, acredita mesmo que, se as coisas continuarem como estão, “podem acabar numa guerra civil”.
Uma situação social dramática
Rita Morales diz que num ano e meio as coisas mudaram muito na Venezuela. O mau que exista antes de sair tornou-se pior. “Há mudanças que já nem nós percebemos.”
A tal ponto que há também o risco de o país acabar numa guerra civil: “O povo venezuelano está decidido a fazer qualquer coisa. Estão a morrer de uma forma ou de outra. Para morrer, morrem como heróis, a defender a democracia e a liberdade.”
Em relação à falta de alimentos, Rita diz que “ há pessoas que ainda conseguem comida, mas têm de pagar um preço muito alto para o conseguir”.
Já os medicamentos “estão a ser mandados daqui”. “É a única forma de lá chegar. Há muitas coisas que têm de vir de fora, senão as pessoas vão morrer” na Venezuela.
A presidente da Venecom, Ana Cristina Monteiro, acredita que o momento que se vive na Venezuela é “apenas o início de um longo caminho a percorrer”.
“É o primeiro passo de muitos que vão ter de se dar. Temos de ter esperança, ver a luz ao fim do túnel, mas temos de ter cautela. Não devemos tomar decisões apressadas nem fazer atos sem pensar”, remata.