Passados que estão três meses sobre o inicio do surto de Covid-19 em Reguengos de Monsaraz, o lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva (FMIVPS), é agora uma Estrutura Residencial Para Idosos (ERPI) com “zero desconformidades”. Uma confirmação dada, em entrevista à Renascença, por João Silva, o diretor de serviços da instituição que voltou a receber uma vistoria no inicio do mês de setembro.
Na anterior vistoria, realizada a 24 de agosto, a equipa dos técnicos da Segurança Social, Proteção Civil e Autoridade de Saúde Pública, tinha identificado “16 pontos a serem melhorados” no lar, entre eles, também o mais complexo, a criação de uma área destinada exclusivamente ao isolamento profilático.
Tudo corrigido, com o edifício de cara lavada por dentro e por fora, o regresso à normalidade faz-se na medida do possível, num lar que tem capacidade para 86 utentes, mas que, no momento, apenas tem 62 utentes, aguardando autorização para poder fazer novas admissões.
Para trás fica um período negro na história de uma instituição com meio século, que refuta todas as acusações feitas ao longo destes meses, prometendo para breve mais esclarecimentos.
Detetado a 18 de junho, o surto de Reguengos de Monsaraz provocou 162 casos de infeção, a maior parte no lar da instituição, entre utentes e profissionais, mas também a 56 pessoas da comunidade. Morreram 18 pessoas, 16 utentes, uma funcionária do lar e um homem da comunidade. Foi aberto um inquérito judicial e feita uma auditoria pela Ordem dos Médicos que concluiu pelo não cumprimento das orientações da Direcção-Geral da Saúde.
Passados praticamente três meses sobre o inicio do surto de covid-19 em Reguengos de Monsaraz, como está a situação no lar da FMIVPS?
Posso dizer-lhe que a questão sanitária está ultrapassada. Neste momento, todos os nossos utentes estão curados e já regressaram à instituição. Há apenas o caso de um utente que foi para domicilio e que aguarda o regresso, o que deverá acontecer em breve. Quanto aos nossos funcionários que foram infetados, tirando os que se encontram de baixa por outras patologias, também já regressaram ao trabalho.
Quer para os utentes, quer para os funcionários, o que é que mudou em termos de condições, estando nós a falar de um edifício que pela sua própria estrutura não permite grandes reformas?
Pois, este edifício estava, e agora mais ainda, adequado para o funcionamento de uma ERPI (Estrutura Residencial Para Idosos), mas não, à data do surto, para um alojamento sanitário. Neste período, foram, na realidade, feitas as benfeitorias, que já estavam previstas há muito tempo, mas que pela presença física e a permanência dos nossos utentes, não era possível executar na sua totalidade. Pelos piores motivos, e que são conhecidos de todos, houve necessidade de transferir os utentes para um outro espaço. Esta situação permitiu-nos, em tempo recorde e de imediato, proceder à reabilitação do espaço que passou pela pintura de todo o edifício, no interior e exterior, assim como outras intervenções necessárias para melhorar as condições de conforto e segurança dos nossos utentes, mas também dos nossos trabalhadores.
Depois do relatório da Ordem dos Médicos, também a Autoridade de Saúde Publica do Agrupamento de Centros de Saúde do Alentejo Central deu conta de algumas falhas, num relatório preliminar, nomeadamente no que respeita à dificuldade na mobilização de médicos, falhas nos procedimentos de controlo da infeção por parte da instituição, a subvalorização inicial do surto, a falta de prevenção… Como responde a instituição a estas observações?
O que lhe posso garantir é que, nos próximos dias, a instituição terá, certamente, a oportunidade de demonstrar factualmente, que estava a cumprir todas as determinações da Direção-Geral da Saúde. Não temos conhecimento, e até agora não nos chegou qualquer informação nesse sentido, que tenha existido a subvalorização do surto, nem falhas na prevenção. O conhecimento que temos, e foi o que conseguimos apurar, é que na data do primeiro caso, já existia uma situação de total assintomatologia na instituição. No que diz respeito à dificuldade em mobilizar médicos, somos totalmente alheios a essa situação e o que lhe posso dizer é que através da articulação com a Proteção Civil Municipal, foi possível mobilizar dezenas de médicos e enfermeiros das Forças Armadas.
E, neste momento, quais são as dificuldades com que este lar se debate?
Neste momento, a nossa maior dificuldade passa pelo recrutamento de recursos humanos qualificados. Por outro lado, e certamente todos estaremos no mesmo barco, outra dificuldade prende-se com o esforço financeiro adicional para fazer face a todas estas medidas implementadas. O valor comparticipado pela tutela mantém-se, mas é insuficiente. Ora, não podemos, de modo algum, sobrecarregar os nossos utentes com todos estes encargos adicionais. Se fossemos agora pedir mais dinheiro pelos medicamentos, pelas as fraldas, pelos transportes, consultas externas, etc, o que nunca aconteceu, era mais uma sobrecarga para as famílias e isso não queremos fazer.
Este caso foi excessivamente mediatizado, se compararmos com um outro surto que aconteceu num lar do Montepio no Porto, onde morreram pelo menos 16 pessoas, e do qual pouco se falou. Reguengos de Monsaraz foi apontado como um dos piores exemplos. Não retirando a gravidade do que se passou e a necessidade de se apurar responsabilidades, considera que houve outros interesses, nomeadamente políticos, em todo este caso?
Sim, creio que existirão interesses camuflados. O que lhe posso e quero dizer é que em março passado fomos vistoriados pela segurança social e, na altura, cumpríamos com tudo o que era exigido. Desde o inicio de setembro, somos um dos 297 lares do Alentejo que cumpre com todos os cerca de 70 pontos da “checklist” do despacho conjunto da Saúde, do Trabalho e da Administração Interna. Temos zero desconformidades. Não seremos, seguramente, um dos piores exemplos, tendo em conta o enorme esforço de dezenas de profissionais e instituições envolvidas para salvar vidas humanas.
E que lições se retiram de uma situação destas?
A grande lição que podemos tirar de tudo isto é que jamais poderemos baixar as armas, o que não acontecia antes, nem vai acontecer agora. Isto foi algo que nos apanhou de surpresa, no entanto, tudo fizemos e vamos continuar a fazer para prevenir e levar a bom termo esta recuperação que temos vindo a fazer.
Nesta quarta-feira, a Comissão de Saúde realiza a audição, no Parlamento, das ministras da Saúde e do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, sobre os surtos de covid-19 em lares (IPSS ou outros), com destaque para o que ocorreu estrutura residencial para idosos da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva, em Reguengos de Monsaraz. O que nos pode adiantar sobre o relatório que a instituição já entregou no Parlamento?
O que lhe posso dizer é que é um relatório ainda preliminar, que vai servir de base a um relatório final, muito detalhado. Esse relatório preliminar já seguiu para o Parlamento e a seu tempo, no momento certo, daremos conta das conclusões.
Que mensagem, seja para a comunidade, seja para as entidades responsáveis, é importante passar neste momento, três meses depois do surto?
A mensagem que queremos deixar é de total confiança e de incansável trabalho em prol da qualidade de vida dos idosos da nossa ERPI. Mas não podemos esquecer que esta confiança tem de ser, também, transmitida aos nossos utentes da Unidade de Cuidados Continuados Integrados e às famílias das crianças da creche que gerimos, nesta instituição com 50 anos de vida.