Em entrevista à Euranet da Renascença, Josep Borrell, alto representante da União Europeia para a Política Externa, fala no processo de adesão da Ucrânia à UE, do contexto de guerra no leste da Europa, dos erros de avaliação de Vladimir Putin e do futuro da Europa na área da Defesa e da influência no resto do Mundo.
Numa altura em que vivemos um contexto de guerra na Ucrânia e de algumas mudanças nas políticas externa e de defesa do bloco europeu, acha que um possível sucesso da ofensiva ucraniana no sul do país poderia acelerar o processo de aproximação da Ucrânia com a União Europeia?
A guerra é a guerra e o processo de adesão é o processo de adesão. É certo que a agressão russa à Ucrânia acelerou o processo de adesão da Ucrânia à União Europeia em tempo recorde. E estamos a trabalhar arduamente, nomeadamente eu, a título pessoal, como Alto Representante para a Política Externa, que inclui os processos de adesão.
Levamos muito a sério as nossas promessas de adesão. E, em outubro, a Comissão vai apresentar uma clarificação dos progressos realizados pela Ucrânia. Repito que o processo de adesão é baseado no mérito. Não é algo que esteja garantido. Tem de ser merecido.
A Ucrânia tem que fazer as reformas necessárias. E eles estão a fazê-las. A um ritmo muito rápido. Eles estão a fazer progressos rapidamente e a população ucraniana, o povo ucraniano, sente mais do que nunca a vontade de se tornar membro da União Europeia. Isso é um facto. Talvez o facto mais importante é a vontade do povo, não a do Governo. E isso deve impulsionar o processo que também será um acelerador do processo de adesão para os países dos Balcãs.
Isso significa que qualquer acordo de paz entre a Ucrânia e a Rússia ou uma trégua não tem qualquer relação com o processo de adesão da Ucrânia? Ou seja, é possível que a Ucrânia inicie as negociações ainda antes de haver uma possível trégua ou acordo de paz com a Rússia?
Não tenho uma bola de cristal para dizer como vai evoluir a operação militar no terreno e saber quanto tempo vai durar a guerra. A única coisa que lhe posso dizer é que estamos a levar muito a sério e a acelerar ao máximo o trabalho que é preciso fazer para que a Ucrânia se torne membro da União Europeia, que tem um certo processo, e ao mesmo tempo continuar a apoiar os militares ucranianos, para se defenderem da agressão e recuperar os territórios que a Rússia ocupou. Estamos a jogar em dois tabuleiros diferentes.
E se a NATO não oferecer à Ucrânia compromissos de segurança muito concretos na próxima Cimeira da Aliança Atlântica em Vilnius? Uma adesão será mais difícil se o Presidente norte-americano vier a ser novamente Donald Trump… Por isso, que influência podem ter os 27 no futuro… e que pressão podem fazer se houver mudança na Casa Branca?
Sim, certamente as coisas poderiam ser diferentes. E teriam já sido diferentes se em Washington estivesse um Presidente diferente. E tenho certeza de que uma das coisas que Putin tem em mente é que haverá eleições no próximo ano… e, dessas eleições, pode sair uma Administração americana diferente. E talvez Putin esteja também à espera que as sociedades europeias se cansem da guerra e do esforço que esta guerra representa para nós.
Acho que, aí, Putin cometeu um grande erro. E o grande erro foi acreditar que a Rússia era mais forte, que a Ucrânia era mais fraca, que os europeus não estavam unidos e que a relação transatlântica também era frágil.
E, pelo contrário, a relação transatlântica cresceu… está mais forte que nunca. A NATO está mais forte que nunca. Dois novos Estados importantes como a Finlândia e a Suécia querem ser membros. Portanto, Putin está a ter exactamente o contrário do que queria. Ele não queria ficar cercado pela NATO e o resultado que está a ter é que até a Suécia e a Finlândia vão ser membros da NATO.
E se a NATO não sugerir essa adesão à Ucrânia, por exemplo, no prazo de 5 anos, estará a União Europeia pronta para preencher essa lacuna económica e militar para a Ucrânia?
A melhor garantia que nós, União Europeia, podemos dar à Ucrânia é a adesão. Há coisas que são da minha alçada e outras que não são da minha alçada e o que posso fazer é tentar acelerar o processo de adesão. A melhor garantia que a União Europeia pode dar à Ucrânia é uma clara perspectiva europeia de vir a ser membro da União Europeia. Sei que a União Europeia não é uma aliança militar, mas ser membro da União Europeia dá uma forte garantia de segurança, porque passa a fazer parte de um bloco, que está ligado por laços de solidariedade.
Já tem dito que uma das maiores conquistas europeias terá sido, nos últimos meses, a forma como os 27 começaram a entender-se em matéria de Defesa para apoiar um país exterior… Uma das coisas que a Ucrânia pede se não puder ingressar tão cedo na NATO são as garantias de segurança. Nesse caso, qual pode ser o papel da União Europeia?
A maioria dos Estados-membros da União Europeia são membros da NATO. Mas a União Européia não é membro da NATO. É verdade. Não somos uma aliança militar, mas fizemos um esforço incrível para fornecer armas à Ucrânia. Ninguém poderia imaginar isso no início e tenho muito orgulho de ter participado activamente desse processo.
Juntámos as nossas capacidades, os “stocks” dos nossos exércitos, para fornecer armas à Ucrânia. Sem isso, a Ucrânia não se poderia defender. Por isso, sim, há um tabú que foi quebrado. A ideia de não fornecermos armas a um país externo. Sim, fornecemos armas a um país que não é membro, porque este país está a ser invadido. É nosso vizinho e a luta deles também é a nossa luta. Portanto, isso é algo para a União Europeia fazer um balanço e entender que, neste mundo de novos desafios, precisamos ter algo mais do que capacidade comercial e defesa do estado de direito, que tem sido a marca registada da União Europeia.
Precisamos falar também daquilo que eu disse no início do meu mandato… a linguagem do poder. Que não é só poder militar… mas também é poder militar.
Como responsável pela diplomacia europeia, tem dito que nas últimas semanas foram superados muitos tabus em relação à Defesa europeia. Acha que é possível chegar a um compromisso entre o objetivo de França (de investir maciçamente na indústria europeia de Defesa) e a posição dos países do Leste Europeu mais favoráveis a uma abordagem mais transatlântica…
As capacidades militares não devem ser confundidas com as capacidades industriais. Há uma ligação: não podemos dizer que temos capacidades militares autónomas sem ter uma capacidade industrial básica.
Se comprarmos todas as armas a um único fornecedor, podemos perdê-las nalgum momento, como aconteceu durante a pandemia, quando de repente percebemos que nas nossas farmácias não havia paracetamol e todo o paracetamol era produzido na Índia e na China.
Imagine a mesma coisa com as armas: de repente, percebemos que, para nos defender, dependemos de uma indústria que está localizada a milhares de quilómetros, noutro ponto do mundo. Isso não é possível.
Se queremos ser agentes sérios, autónomos e capazes, devemos ter uma base industrial própria.
Dito isso, há uma guerra… e não podemos simplesmente dizer aos ucranianos: “Esperem, damo-vos armas, mas antes temos de construir fábricas para produzi-las”. Seria tarde demais.
Este é o momento em que podemos impulsionar o desenvolvimento das nossas capacidades industriais. Mas isso só vai acontecer no médio prazo. Não vamos conseguir já amanhã uma indústria que produz mísseis. Leva o seu tempo. Mas, ao mesmo tempo, há emergências. E as emergências devem ser atendidas a tempo. E, sim, é preciso encontrar um equilíbrio entre o desenvolvimento da indústria e a capacidade de suprir rapidamente as necessidades do momento.