"Isto é um não. Quando eu digo não é não." É com estas palavras que o almirante Gouveia e Melo, atual Chefe do Estado-Maior da Armada, rejeita qualquer hipótese de ser candidato às próximas eleições presidenciais.
Em declarações à Renascença, esta quinta-feira, Gouveia e Melo explica que só não fez este anúncio antes porque não gosta de se sentir pressionado nos seus direitos enquanto cidadão.
Decidiu agora deixar claro que não tem pretensões de se candidatar ao lugar de Marcelo Rebelo de Sousa em Belém porque, explica, estava a sentir-se permanentemente prejudicado na sua capacidade de ação enquanto chefe militar, ao ser interpretado como potencial candidato político. Isso, acrescenta, "não é bom".
De acordo com informações apuradas pela Renascença, nas últimas semanas, elementos do Partido Socialista (PS) terão "sondado" o almirante Gouveia e Melo, ainda que de forma implícita, sobre a eventualidade de uma candidatura a Belém.
De resto, tal já teria acontecido previamente com elementos do Partido Social Democrata (PSD), uma informação que Gouveia e Melo não confirma nesta entrevista.
O sr. almirante já decidiu se vai ser candidato, ou não, às presidenciais?
Eu, sobre essa matéria, tenho a dizer de uma forma muito clara que não sou protocandidato a nada. Não gosto que me imiscuam na área política. Sou militar e não tenho intenção no futuro me candidatar a nada.
Isso é um não de vez? Ou seja, não vai mesmo candidatar-se às presidenciais dentro de três anos?
Isto é um não. As pessoas têm de entender que quando eu digo não é não. Não pretendo candidatar-me a nada. Eu sou um militar, estou preocupado com as minhas funções e com a responsabilidade que tenho sobre a Marinha. É isso que me anima no dia-a-dia. Não quero entrar na luta política e não quero que me misturem nessa luta.
Mas já houve quem quisesse. Tanto quanto sei, há algum tempo houve elementos do PSD que se aproximaram de si...tentaram, eventualmente, convencê-lo. E, nas últimas semanas, sei que houve elementos do PS que pensaram no seu nome para uma eventual candidatura. Chegou a ser contactado?
Eu não comento esse tipo de ilações. Como digo, não sou um protagonista político.
Mas desmente que houve esses contactos, mais recentemente, do Partido Socialista?
Não tenho contactos com ninguém e evito contactos na área política. Portanto, os meus contactos têm a ver com a área militar. Eu dedico-me só à área militar.
Qual destas vias (PSD ou PS) poderia tê-lo interessado mais?
Nenhuma delas. Para já, não confirmo que tenha sido sondado. Esta é a primeira coisa. E a segunda é que acho isso pouco próprio das minhas funções. Portanto, não me interessa nenhuma das vias em causa.
Se, por hipótese, Augusto Santos Silva não fosse candidato e o PS o convidasse, eventualmente António Costa, admitiria repensar, ou é um não definitivo?
Se, por acaso, o mundo acabasse amanhã, houvesse um ataque nuclear... São coisas que nós nunca podemos saber.
Eu não tenho nenhuma intenção de entrar na política. A minha carreira não é política, é uma carreira militar.
Tenho a firme intenção de contribuir com o meu conhecimento e as minhas capacidades, sejam elas quais forem, para a Marinha, que eu estou a tentar desenvolver, a tentar reanimar e criar um novo projeto na Marinha que seja um verdadeiro instrumento de política de Estado para o Mar, que é a nossa grande oportunidade estratégica. Isso preenche-me totalmente e, portanto, não me preocupo sequer com outro tipo de interferências, ou outro tipo de cenários.
Nunca foi tão assertivo no seu não, o que me leva a pensar que houve uma fase, não muito distante, em que chegou a admitir a hipótese de vir a ser candidato...
O que eu não gosto, tenho que dizer isso de forma clara, é sentir-me pressionado nos meus direitos enquanto cidadão.
Mas foi pressionado?
Não fui pressionado pela pessoa A, B ou C. A situação pressionou-me ou obrigou-me a fazer declarações de intenções de coisas futuras, quando eu acho que nenhum cidadão tem de responder a isso. Eu, o que tentei sempre fazer, foi defender a minha liberdade de ação para o futuro, porque é um direito que todos nós temos, enquanto cidadãos.
O recente “caso Mondego” contribui também para esta sua decisão de nos confirmar agora que não será candidato a Presidente?
Eu não quero ligar qualquer decisão minha ao caso Mondego porque as coisas não estão ligadas. Posso dizer é que, a interpretação permanente de um chefe militar enquanto candidato político me prejudicava, na minha capacidade de agir, porque é tudo lido com outros olhos. Quando faço coisas normais de um chefe militar, depois são interpretadas enquanto candidato político...e isso não é bom.
Vejo-me de alguma forma compelido a ter que esclarecer uma coisa que a minha liberdade pessoal gostaria que não fosse necessário esclarecer.
Sou militar, estou a cumprir uma missão. Em benefício dessa própria missão, acho que é importante esclarecer, neste momento, isso para deixarem de perguntar isso...e perguntarem-me coisas que têm a ver com as Forças Armadas, neste momento com a Marinha.
As águas do “caso Mondego” são agora mais tranquilas, apesar de a Justiça ainda fazer o seu caminho?
As águas estão tão tranquilas quanto sempre estiveram. A Marinha tem cerca de 7 mil militares e 2.500 civis. Não são 13 pessoas que definem a Marinha. Esse caso foi um incidente de percurso que vai deixar marcas, evidentemente, não escondo isso, mas não reflete a Marinha.
Já se sente menos pressionado, nesse caso, por parte do poder político?
Nunca fui pressionado por parte do poder político. O que aconteceu foi um incidente, que tem repercussões em termos da visibilidade da Marinha, da imagem da Marinha, da imagem das Forças Armadas. Eu reagi, e continuarei a reagir, da mesma forma como reagi, ou seja, explicar à população que a Marinha não se revê naqueles atos, e que aqueles atos ficam na consciência das pessoas que os tomaram, mas não refletem a Marinha, que trabalha todos os dias a favor do país.
[atualizado às 15h34]