A rapidez e facilidade como o poder no Afeganistão caiu nas mãos dos talibãs apanhou todos de surpresa, diz à Renascença o ex-porta voz da International Security Assistance Force, o major-general Carlos Branco.
O especialista aponta duas razões para que tudo tenha sido tão rápido: por um lado, as ligações dos talibãs aos chefes tribais, que facilitaram a influência junto de governadores e unidades.
"A forma inteligente que eles [os talibãs] utilizaram para o fazer, praticamente sem combates, significou explorar de forma magistral o poder que os líderes tribais têm, que é uma rede que eles dominam e conhecem profundamente, e através desses líderes tribais conseguiram que fossem os próprios a exercer influência e alavancagem sobre os setores da vida de determinados distritos, junto das autoridades e dos governadores dessas províncias", explica Carlos Branco.
A outra razão prende-se com as divisões internas e a ineficácia do governo afegão, deixando muitas populações e territórios abandonados, que os talibãs aproveitaram, diz o militar português.
"Recentemente, houve uma remodelação governamental e essa remodelação teve como consequência colocar indivíduos alinhados tribalmente e etnicamente com o presidente. Outra consequência foi o abandono de grandes partes do território, que se sentiram relegados para segundo plano, abandonados pelo Governo, e os talibãs aproveitaram para transportar o apoio e a vontade dessas pessoas para concretizarem os seus objetivos", acrescentou.
O major-general Carlos Branco considera que a fuga do Presidente Ashraf Gahni não se justificaria. Segundo o militar, Gahni avaliou mal a situação, até porque estes talibãs são diferentes dos de há 20 anos e vão fazer tudo para conseguir o reconhecimento internacional.
Aponta Carlos Branco que "este movimento dos talibãs é algo diferente daquilo que era há 20 anos", porque "são indivíduos mais maduros do ponto de vista político". "Com isto não quer dizer que tenham feito cedências no campo ideológico, mas falo fundamentalmente a nível da tática e da estratégia política".
O militar português considera que é errado e injusto atribuir qualquer culpa pelos acontecimentos ao Presidente americano, Joe Biden. Além das divisões no governo afegão, foi o seu antecessor, Donald Trump, quem decidiu abandonar o país.
Carlos Branco diz entender porquê: o combate ao terrorismo deixou de ser uma prioridade para os Estados Unidos.
"O Afeganistão entretanto tornou-se numa liability já estratégica e o terrorismo deixou de ser prioritário na hierarquia das ameaças consideradas identificadas pelos Estados Unidos, que foi substituído pela China e pela Rússia. Os EUA percebem que faz sentido que desinvistam no terrorismo para assumirem as suas responsabilidades para confrontar outros desafios que consideram mais importantes", analisa o major-general.
Na opinião do major-general Carlos Branco, a paz e estabilidade no Afeganistão interessam a todos, mas sobretudo ao povo afegão. Mas quanto ao futuro, para já, tudo é especulação. É preciso esperar para ver qual o que é que os talibãs vão fazer. Dificil não é conquistar o poder, mas sim mantê-lo.
O militar que esteve no Afeganistão diz que também é preciso saber o que vai acontecer ao Estado Islâmico, uma força de oposição aos talibãs, se se junta aos talibãs ou se vai continuar a ser um fator de instabilidade no país. Para Carlos Branco é uma questão a seguir com muita atenção.
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, afirmou esta segunda-feira que dos 16 civis portugueses que estavam no Afeganistão, 12 já saíram do país e quatro continuam em funções operacionais no aeroporto de Cabul.
Boa parte dos países ocidentais como os Estados Unidos, Alemanha e França estão a retirar os seus cidadãos do Afeganistão com aviões militares.
Um dia depois dos talibãs tomarem o poder no Afeganistão, o Conselho de Segurança das Nações Unidas reúne-se de emergência. E o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, já pediu uma reunião da NATO, para sexta-feira.