Amnistia. Garantir cumprimento dos direitos humanos "é o mínimo que devemos aos afegãos"
23-08-2021 - 18:10
 • Hélio Carvalho

Em entrevista à Renascença, a vice-diretora da Amnistia Internacional para o Sul Asiático pede que a ONU obrigue os talibãs a respeitar os direitos humanos.


Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) alerta esta segunda-feira para uma deterioração das condições de vida para milhões de pessoas no Afeganistão, especialmente das crianças, e o pessimismo é partilhado pela Amnistia Internacional (AI).

A organização aponta que o número de deslocados já aumentou consideravelmente a situação só vai piorar à medida que os talibãs apertam mais o cerco às liberdades individuais no país.

Em entrevista à Renascença, a vice-diretora regional da AI para o Sul Asiático, Dinushika Dissanayake, refere que a crise humanitária no Afeganistão é de "proporções enormes" e apela à comunidade internacional, e aos talibãs, que deixam a ajuda chegar a quem precisa.

"Precisamos que as Nações Unidas e que os Estados-membros tenham uma posição forte com os talibãs. Usar o Conselho de Segurança da ONU para que os talibãs respeitem e protejam a lei internacional dos direitos humanos. Isto não é negociável. Os talibãs têm de concordar em respeitar a Lei Internacional dos Direitos Humanos e isto inclui permitir o acesso à ajuda humanitária aos mais vulneráveis no Afeganistão, que estão a precisar urgentemente de apoio", disse Dissanayake.

Sediada a partir do Sri Lanka, a ativista apresenta uma medida prática para impedir que violações contra os direitos humanos, que "os talibãs já levaram a cabo em áreas que controlam", sejam monitorizadas.

"Em Gázni, torturaram e executaram nove homens Hazara, por causa da sua origem étnica. E podemos imaginar que esta seja a ponta do icebergue. Eles têm levado a cabo estes crimes pelo país", disse. O relato já foi, aliás, alvo de alerta, na semana passada, pela organização, que documentou uma série de crimes de guerra pelos talibãs em províncias afegãs.

Retirada militar pode criar um vazio perigoso

A maior ameaça imediata aos direitos dos que ficam no Afeganistão é a retirada militar dos países presentes. Os Estados Unidos, a França e o Reino Unido já mostraram vontade em adiar a retirada de tropas da região, mas os talibãs negaram essa hipótese e disseram que um adiamento seria "uma linha vermelha" que mereceria uma "reação" pelo grupo que tomou o poder do país.

Para a Amnistia Internacional, "se e quando os Estados Unidos abandonarem o Afeganistão, apenas podemos imaginar o tipo de abusos contra os direitos humanos que serão feitos, a não ser que as Nações Unidas e os Estados-membros tomem uma posição".

"Pedimos ao Conselho de Segurança da ONU e aos Estados-membros que criem algum tipo de mecanismo forte e robusto, para que se e quando a presença militar dos Estados Unidos e outros países saia, haja uma oportunidade para garantir que os talibãs estão a proteger a lei internacional dos direitos humanos", vincou Dissanayake.

A AI apela a que a comunidade internacional negoceie diplomaticamente com os talibãs, para que 20 anos de guerra não culminem em mais sofrimento para o povo afegão.

"Isto é o mínimo que devemos ao povo do Afeganistão e aos corajosos defensores dos direitos humanos que continuam no país e que arriscam a vida, porque os Talibãs já estão a retaliar contra eles".

Talibãs têm de ser escrutinados sobre os direitos das mulheres

Mal os talibãs entraram em Cabul e assumiram o poder no país, a comunidade internacional mostrou-se imediatamente preocupada com as condições e os direitos das mulheres afegãs. Nas últimas duas décadas em que os Estados Unidos tiveram presença militar no Afeganistão, foi permitido às mulheres coisas tão simples como trabalhar, ter liberdade de expressão e sair de casa sem um 'mahram' (um familiar do sexo masculino).

Os talibãs, por sua vez, prometeram que iriam respeitar estes direitos, tal como os direitos à liberdade de imprensa, mas já surgiram notícias a apontar para precisamente o contrário.

"No espaço de dias, relatos emergiram de Cabul sobre buscas porta-a-porta e pessoas foram levadas pelos talibãs. Quando não se conseguiu encontrar um jornalista, um familiar foi morto, outro familiar foi ferido. Pelo menos duas jornalistas relataram que lhes foi dito para não ir trabalhar, para não ir ao escritório. Noutros locais, pessoas foram alvejadas por protestar com a bandeira nacional, e podemos esperar que nas próximas semanas ou meses, a liberdade de expressão será reprimida, que o direito das mulheres de trabalhar, de se exprimir, de sair de casa sem um familiar homem será restringido, que é o que os talibãs fizeram antes", alerta a vice-diretora regional da organização.

Para Dinushika Dissanayake e a AI, a situação atual criou condições perigosíssimas para a ajuda humanitária, com mulheres ativistas a terem de se esconder fora das suas casas em Cabul. E, portanto, "nós como comunidade internacional temos uma responsabilidade enorme de proteger" os ativistas e o apoio humanitário na região.

"A melhor forma de os proteger é garantir que os talibãs são levados à mesa de negociações, que sejam escrutinados pelas promessas que fizeram à comunidade internacional. Pedimos-lhes que respeitem os direitos humanos e que mostrem isso à comunidade internacional, permitindo que os defensores dos direitos humanos e os jornalistas possam fazer o seu trabalho em liberdade", salientou a vice-diretora da AI.