"Acolhimento Familiar" é alternativa à institucionalização na Misericórdia do Porto
27-01-2024 - 09:07
 • Henrique Cunha

Santa Casa da Misericórdia do Porto entende o Acolhimento Familiar como solução para crianças em risco. Instituição desafia famílias “à solidariedade com os mais vulneráveis”.

A Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP) passou a integrar na sua oferta de serviços sociais o "Acolhimento Familiar", uma nova forma de apoio a crianças e jovens em risco.

Esta é uma solução que o provedor da SCMP, António Tavares, classifica como a “mais adequada às necessidades atuais”.

António Tavares sublinha, em declarações à Renascença, o facto de a SCMP ter descontinuado o seu projeto que apostava na institucionalização.

“Durante quase dois séculos, a Santa Casa teve um equipamento de referência aqui no Porto, o Colégio Barão de Nova Sintra. Optamos por dar um exemplo, e esse exemplo foi descontinuar toda essa operação que estava a ser feita no Colégio Barão de Nova Sintra e começar a trabalhar noutro segmento que, acreditamos, terá de ser o futuro e terá de ter as grandes condições, que são as chamadas famílias acompanhadas”, relata.

A ideia é “acompanhar as famílias, fazer a integração das crianças, acompanhar as próprias crianças, e não manter um ato que era praticamente um ato automático, obviamente de grande mérito - isso não está em causa - que era a institucionalização”.

"Este modelo vem permitir que uma criança, tenha ela 6, 7, 8, 9 anos, ou 12, ou 13, ou 14, possa ser devidamente acompanhada, do ponto de vista técnico, especializado, com psicólogos, com professores, com médicos, com equipas que são multidisciplinares e que fazem esta integração com a área social, no sentido de que, rapidamente, as famílias compreendam que os jovens são o futuro da sua própria existência e que devem protegê-los, e não hostilizá-los ou mesmo criar-lhe situações de violência”, aponta Tavares.

O provedor da SCMP sublinha que “todo esse trabalho é feito no âmbito familiar e sempre com a supervisão da segurança social; e, portanto, com o Estado a assumir as responsabilidades, e a procurar dar os meios às instituições, para que elas possam ser mais eficazes”.

“No fundo, é a aplicação do princípio da subsidiariedade, isto é, quem está mais próximo tem melhores condições para poder responder”, acrescenta.

Para o responsável o Acolhimento Familiar "é um complemento às tradicionais respostas de institucionalização, é uma medida de promoção dos direitos e de proteção das crianças, com caráter transitório e temporário", que visa "proporcionar à criança ou ao jovem o direito a crescer num ambiente familiar".

“Mais fácil institucionalizar” do que procurar “maior normalidade”

Nestas declarações à Renascença, António Tavares diz que "muitas vezes, é muito mais fácil fazer a institucionalização das crianças do que trabalhar na procura do seu regresso a uma situação de maior normalidade", o que em parte, justifica o facto de Portugal ser um dos países com mais crianças institucionalizadas entre 42 países da Europa e Ásia Central.

De acordo com o relatório da Unicef "Caminhos para uma melhor proteção: Balanço da situação das crianças em estruturas de acolhimento na Europa e na Ásia Central", divulgado na semana passada, quase meio milhão de crianças (456 mil) nestes territórios vivem em instituições.

"Em Portugal, o relatório mostra que 95% das crianças acolhidas no âmbito do Sistema de Promoção e Proteção encontram-se em acolhimento residencial, o que representa o valor mais elevado entre os 42 países analisados", denuncia a Unicef.

Para o Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto este “é um dado que motiva a nossa reflexão, porque é um dado extremamente elevado de crianças que estão institucionalizadas” e que, “tem muito a ver com a dinâmica da nossa própria organização, quer enquanto Estado, quer enquanto sociedade”. “Muitas vezes é muito mais fácil fazer a institucionalização das crianças do que fazer um trabalho que é necessário para o regresso dessas crianças rapidamente a uma situação de normalidade, seja no seio da sua família biológica, seja no seio de outras famílias”, adverte.

António Tavares acredita, por outro lado que os números da institucionalização de crianças em Portugal é também fruto “do facto de as políticas públicas, durante muito tempo, não estarem muito preocupadas com os mais jovens”. O Provedor entende que a situação é potenciada também pela forma “como as próprias comissões de proteção de menores e jovens estão organizadas, e também pelo facto de haver pouco diálogo entre a Justiça, entre o Poder Judicial, e quem está, à frente das instituições a tentar enfrentar os problemas”.

Por tudo isto, a Misericórdia do Porto convida as famílias sob o mote "Acolher uma criança é dar-lhe um presente com futuro", com a convicção de que “muitos se irão juntar a esta causa em prol da segurança e do futuro de crianças que merecem apenas poder ser isso mesmo, criança”.

Na sua página, a Santa Casa da Misericórdia do Porto sublinha que “para o sucesso desta medida é fundamental a disponibilidade solidária das famílias para acolherem estas crianças e serem porto de abrigo”.

“Mobilizar candidatos é um dos principais desafios para a implementação com sucesso do projeto. Acreditamos que as pessoas do Porto são naturalmente solidárias e genuinamente preocupadas com os mais vulneráveis. Muitas famílias querem ter uma participação ativa na resolução dos problemas da sociedade, mas, muitas vezes, não sabem como o fazer. O Acolhimento Familiar é uma oportunidade para os cidadãos do Porto darem corpo à sua solidariedade e fazerem a diferença na vida de crianças e jovens que merecem ter uma infância harmoniosa e segura”, pode ler-se na publicação.

O texto termina com uma pergunta: “Há quem precise da sua família. Está disponível para cuidar com amor?”