O homem de negócios Donald Trump viveu esta sexta-feira a sua primeira experiência de diplomacia internacional directa ao receber na Casa Branca a primeira-ministra britânica Theresa May.
O novo Presidente americano terá percebido como falar e negociar com o líder de outro país nada tem de semelhante com as negociações entre empresas a que estava habituado, e como a ideia de que se pode gerir um país da mesma forma que se gere uma empresa não passa de uma ilusão.
Foi um Trump sereno, moderado no tom e na expressão, quase delicado, aquele que apareceu na conferência de imprensa após a reunião com May.
Ao contrário da agressividade com que costuma reagir a perguntas incómodas dos jornalistas, desta vez o presidente foi diplomático, fez até algum humor com as questões mais delicadas e desfez-se em elogios à sua convidada. À qual, aliás, deixou a condução total da substância política do encontro.
Trump abriu a conferência de imprensa mas nada disse sobre as questões políticas envolvidas nas conversações e foi Theresa May quem pôs e dispôs. Com firmeza e determinação, a primeira-ministra reiterou as posições oficiais britânicas em vários assuntos, sublinhou as convergências com Trump e não iludiu as divergências.
A mais importante declaração foi aquela em que May assegurou o empenho de Trump na NATO. “Posso garantir-vos que o Presidente está com a NATO a 100%”, disse, vinculando o Presidente americano a uma posição pública que contraria o seu criticismo em relação à Aliança Atlântica, que já considerou “obsoleta” mais do que uma vez.
Ao assegurar o empenhamento de Trump na NATO, Theresa May escolheu uma expressão que não deixa margem para dúvidas – 100% – e que visa tranquilizar todos os países aliados. Do seu lado, prometeu que se baterá para que todos paguem a sua quota-parte para a defesa, os 2% de orçamento de cada país que estão consensualizados, mas que a maioria não cumpre.
Com a autoridade moral de quem gasta em defesa os 2% acordados, a líder britânica foi de encontro à pretensão do Presidente americano, que chegou a insinuar que poderia não defender um país aliado que não cumpra com as suas obrigações orçamentais na defesa.
Um fantasma que, em certo sentido, fica agora desvanecido quando Theresa May proclamou o “apoio inabalável à NATO” da nova administração americana. Em plena Casa Branca e ao lado do novo Presidente após conversações oficiais.
A primeira-ministra enfatizara já que os dois líderes tinham acordado na necessidade de intensificar a luta anti-terrorista, sobretudo ao ISIS, e que a cibersegurança era também uma área prioritária – dois temas em que Trump tem insistido. Ao fazê-lo, May deixou implícito que estas se tornarão também prioridades para a NATO.
Manter sanções à Rússia
A outra questão em que May foi claríssima foi a das sanções à Rússia, aplicadas pelos países ocidentais na sequência da anexação da Crimeia e da invasão do leste da Ucrânia.
A primeira-ministra assumiu o compromisso do Reino Unido em manter as sanções enquanto a Rússia não cumprir os acordos de Minsk, que prevêem a retirada total de tropas estrangeiras do leste ucraniano. Ao afirmá-lo sem hesitações, May deixou pouca margem de manobra a Trump, que se preparará para levantar as sanções a Moscovo no quadro de negociações bilaterais que poderão passar por contrapartidas em negócios, na luta contra o ISIS e na pacificação da Síria.
O Presidente americano limitou-se a dizer que “era cedo” para abordar o assunto das sanções com o Kremlin, mas reiterou a sua intenção de tentar construir “uma relação fantástica com a Rússia”. Uma tentativa que começará este sábado quando Trump falar com Putin ao telefone. Será o primeiro diálogo entre os dois Presidentes, sobre o qual Trump exprimiu alguma expectativa.
“Não conheço o senhor”, disse, para explicar que por vezes pensa que pode ter uma boa relação com certas pessoas e quando as conhece não gosta do que viu. Mas para que não se pensasse que tudo ficará a depender dessa empatia, Trump acrescentou que enquanto Presidente americano defenderá firmemente os interesses do seu país.
Sim à tortura
Um assunto que coloca os dois líderes em campos diametralmente opostos é o uso da tortura em suspeitos de terrorismo. Enquanto Theresa May evitou responder a uma pergunta sobre o assunto, Trump não se inibiu de dizer que concordava com esse uso, mas que seria o secretário da Defesa a definir a política da administração nessa matéria e ele discorda do recurso às chamadas “técnicas reforçadas de interrogatório”.
O Presidente concedeu ao general James Mattis poderes para definir tal política e o novo secretário da Defesa rejeita a tortura. Na sua qualidade de militar reformado, Mattis conhece bem quais seriam as consequências para os militares americanos capturados em conflitos internacionais caso os EUA adoptassem tal prática.
Mas o facto de o Presidente dos EUA ter admitido publicamente numa conferência de imprensa com a primeira-ministra britânica que concorda com a prática de uma ilegalidade não deixa de ser perturbante. Uma ilegalidade consagrada na Convenção de Genebra, de que os EUA são signatários, e uma prática moralmente repulsiva.
Um telefonema na sexta-feira foi ainda alvo da curiosidade dos jornalistas. Interrogado sobre o que resultara da conversa com o Presidente mexicano, Peña Nieto, na sequência do cancelamento da visita a Washington, Trump disse que tinha corrido bem.
Mas reafirmou a sua determinação em defender a fronteira e renegociar o NAFTA, o tratado de comércio livre com o Canadá e o México. Isto porque, na sua opinião, os EUA foram “reduzidos a pó” pelos mexicanos nas negociações do tratado.
De acordo com a parte mexicana, os dois Presidentes discordam claramente na questão da construção do muro, mas sobretudo no seu pagamento, que Trump quer imputar ao México. Concordaram em evitar declarações públicas sobre o assunto enquanto o problema não for alvo de um entendimento global a alcançar em negociações bilaterais.
Mas este compromisso de silenciar o caso temporariamente não foi divulgado pela parte americana. Só o México o tornou público, o que parece ter desagradado a Washington.
Efeito May
A todas estas questões, Donald Trump respondeu com inusitada moderação e cortesia. Na sua primeira aparição pública ao lado de um dignitário estrangeiro, bem pode dizer-se que Trump assumiu uma postura presidencial.
Talvez se possa falar de um “efeito Theresa May” nesta estreia do novo Presidente americano. Um mérito que a primeira-ministra britânica poderá reclamar, apesar de ter chegado a Washington numa posição vulnerável politicamente, com o seu país a precisar de definir um bom acordo bilateral de comércio com os EUA quando se desvincular da União Europeia.
A relação histórica entre os dois países, naturalmente, ajudou, mas a experiência política de Theresa May ficou bem patente perante as cautelas do neófito Presidente americano em palcos internacionais.
Talvez Trump, um homem nos antípodas da cortesia, tenha ficado seduzido pela fleuma britânica.