Querido diário, estes são os últimos dias do ano de 2021 e, apesar da enorme quantidade de chocolates que comi neste Natal, o sabor que fica é agridoce.
Vivemos boicotados há praticamente dois anos. Todos nós. Privados da nossa liberdade, da nossa saúde mental e física, da companhia dos que amamos, da fluidez de movimentos, de exercer as nossas profissões. Uns suspensos, outros acabaram mesmo por cair.
Não se imaginava uma mudança tão repentina e duradoura no nosso dia-a-dia. Ninguém estava preparado para nada disto. E a par deste episódio desastroso que nos aconteceu a todos, continuam as injustiças e barbaridades contra crianças, mulheres e inocentes. Nada de novo, infelizmente.
Houve coisas boas, claro; no meu caso, o regresso à vida no campo, com saúde e na companhia da minha família. Alguns encontros com desconhecidos que se tornaram bons conhecidos, tempo para voltar a estudar novas matérias e uma ou outra novidade surpreendente. Mas rapidamente regresso ao sabor amargo.
Este ano foi derradeiro para a falta de saúde de uma grande amiga, dor que dói todos os dias. Pesa-me o tempo que não passei junto de amigos e familiares por conta do receio, os sítios que não visitei e que já queria ter mostrado à minha filha, os concertos que não dei e que não vi, a vida que não pôde acontecer.
Sinto-me injustiçada, muitas vezes revoltada, por mim e por tantas histórias de devastação interior e exterior. Tudo do avesso.
Amigos e colegas que, tal como em outras áreas profissionais, ficaram apenas com o vazio dos dias. E que, ainda assim, usando a coragem e resiliência que restam, continuam a criar e a lutar para que a arte não sucumba.
Eis-nos neste trapézio de otimismo pessimismo, em que a falta de rede, se acaso cairmos, é uma certeza. Eis-nos sem luz em palco.
Tento equilibrar-me e agradecer os momentos em que me reconheço feliz, faço-o como um exercício diário para que a inércia ou a amargura não tomem conta das horas. E tento ver o momento que passamos como uma oportunidade de mudança, de reinterpretação da vida e de nós mesmos. É esta a fé que sigo para continuar a contar histórias com um final feliz para a minha bebé adormecer.
O que trarás tu, Ano Novo?
Oxalá lindos raios de sol, ventos puros que levem a sensação de déjà vu embora e a ousadia de dias mais justos.
* Cantora, compositora e atriz. Rita Redshoes foi distinguida, em 2021, com o Prémio José da Ponte da Sociedade Portuguesa de Autores.