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O chefe de Estado espera atenção “de quem é competente” para o que se está a passar no Montepio. Em entrevista à Renascença e ao "Público", o Presidente da República tenta desvalorizar os problemas com Angola, mas não se compromete com datas para normalização das relações.
Confia que até ao final deste mandato haverá uma cimeira com Angola, que ainda não aconteceu?
Para não estar a responder circunstancialmente a isso, em relação à questão de Angola - que para mim é uma não questão - eu já disse várias vezes que estamos vocacionados (ou condenados, no bom sentido) a estarmos juntos. Sabe que é uma expressão que é muito utilizada em África: estamos juntos. E estamos juntos. São os milhares de angolanos cá, são os milhares de portugueses lá, enfim, é tudo aquilo que nos junta e mais alguma coisa. É preciso, até familiarmente. Portanto, estamos juntos. E depois há circunstâncias pontuais. E quanto a isso eu diria duas coisas, a primeira é relativamente àquela circunstância que está implícita na sua pergunta: nenhum de nós gosta, é natural, quando há notícia relativamente a nacionais portugueses que estão a braços com situações de justiça em qualquer país do mundo. Independentemente da maior ou menor justiça que exista nessas indagações, nós sofremos. É um bocadinho o sofrer pela camisola. Temos tido, quando lemos que "um português, no quadro de um país nosso parceiro na UE está a braços com este problema", temos pena ("ah, um português e tal"). Ou num país que fala português e há um português que está a braços... sentimos aquela solidariedade natural.
Portanto, é compreensível a posição angolana?
Portanto, eu compreendo que outros sintam o mesmo tipo de sentimentos que nós sentimos. Dito isto, portanto, os irmãos angolanos sabem que eu entendo que alguns deles - porventura muitos deles - sintam esse tipo de problemática relativamente a casos que ocorrem noutros países, nomeadamente também a Portugal, respeitante a seus concidadãos. Mas também tenho a certeza que os irmãos angolanos são os primeiros a perceber que Portugal é como é: Portugal tem uma Constituição, que eu votei, essa Constituição prevê o princípio da separação de poderes, do princípio de separação de poderes decorre que nem o Presidente da República, nem o presidente da Assembleia da República, nem os deputados, nem o Governo podem interferir em decisões que são decisões judiciais. Quaisquer que elas sejam. Sejam decisões de substância sejam procedimentais. Não pode. Não é não pode: é não pode e não deve.
Há pouco falava-nos de memória de elefante e do fim do seu mandato. Confia que vai encontrar-se com o seu homólogo e fazer uma cimeira...
Já me encontrei, fui à posse dele...
... Uma cimeira luso-angolana, como há muito não acontece?
Tem que compreender que, quando se olha com um certo fôlego e um certo prazo o relacionamento entre dois países irmãos, como é o caso, as questões. A certa altura acho que o sr. ministro dos Negócios Estrangeiros que usou um qualificativo muito curioso, que era "o irritante"... há assim uns "irritantes" pelo meio (risos). Irritantes porque ficamos uns e outros irritados por causa de um ponto de pormenor que não afecta o mais importante, embora mediaticamente tenha uma repercussão.
A verdade é que há muitos anos que não ha uma cimeira luso-angolana e as visitas de Estado dos dois lados estão congeladas...
Está a ver, estamos aqui nesta varanda. E nesta sala, eu tive a oportunidade de receber responsáveis angolanos que foram e vieram. Quer dizer... sabe uma coisa? Isto de ter quase 70 anos e de ter visto muito, que já vi, e de ter aprendido com o muito que vi, leva-me a relativizar aquilo que é verdadeiramente menor.
A tensão não o preocupa, portanto?
Exactamente. E há coisas maiores e coisas menores. E o maior é o mais importante.
Não podemos deixar de lhe perguntar sobre o Montepio - e o negócio que se fará ou não com a Santa Casa de Lisboa. Face à votação que vimos no Parlamento [chumbando esse negócio], acha que a Santa Casa tem condições de o concretizar?
Eu não vou agora pronunciar-me sobre um caso específico de uma instituição financeira, a propósito ainda por cima de uma decisão do Parlamento. E uma decisão que não tem de vir ao Presidente. Porque eu tenho de me pronunciar sobre os diplomas que tenho de promulgar, agora uma recomendação que é um acto político e não legislativo, no sentido estrito... portanto não vou comentar.
E o Governo? Deve avaliar essa votação do Parlamento?
O que eu posso dizer é o seguinte: tem havido no sistema financeiro português em geral um processo difícil, complexo sobretudo em 2016 e 2017, de ultrapassar vários bloqueamentos que existiam. Depois há sempre outros que surgem, há uns que permanecem, mas apesar de tudo os mais importantes foram superados. E aquilo que eu espero e desejo é que haja também, em relação a outras instituições financeiras - e estão a falar numa delas - que haja realmente um processo de intervenção de quem é competente para intervir (e não é o Presidente da República) que salvaguarde o que é fundamental para todos nós. É fundamental para os que estão envolvidos directamente nessa instituição, é fundamental para quem gere a coisa pública - como o Governo -, mas é fundamental para o Presidente da República que corra bem. Todos queremos que corra bem, que continue a correr bem, e que portanto também aí se ultrapasse o que possa haver de "irritantes" e o essencial seja salvaguardado.
No início do seu mandato, a situação da banca era uma grande preocupação do Presidente. Desceu na sua lista?
Ai, consideravelmente! Não há comparação. Houve meses - eu durmo pouco, mas durmo ainda algumas horas - em que dormi um bocadinho menos bem, não porque houvesse riscos na vida dos portugueses, mas porque havia vários nós górdios que era preciso resolver. E estava difícil de resolver. E fui testemunha do esforço feito por todos, por todos que intervieram nessa matéria, para que fossem resolvidos. Não tem comparação aquilo que foi a situação e preocupações vividas naquela altura e aquelas vividas a partir de uma determinada fase de 2017.
O ministro das Finanças disse, numa entrevista ao Jornal de Negócios, que se o universo Montepio precisar, o Estado deve cobrir, deve pôr o dinheiro. O sr. Presidente concorda, em teoria?
Vamos ver, eu não devo pronunciar-me sobre essa matéria.
Estava a falar-nos das entidades competentes que deviam intervir.
Vamos esperar para ver, obviamente que o sr ministro das Finanças tem um papel muito importante, o sr. governador do Banco de Portugal tem um papel muito importante, há várias entidades que são muito importantes nessa matéria. Os próprios têm um papel decisivo. Portanto, o Presidente da República deve ter o recato de não se pronunciar sobre uma matéria em que não deve fazer nenhum tipo de pronuncia.
Só mesmo para terminar: falava-nos das preocupações que baixaram. Qual é a sua maior preocupação neste momento?
Olhe, os fundos estruturais. Se quer que lhe diga, são os fundos estruturais. E não é só pela posição de Portugal, é pelo significado para a Europa. O que é que a UE quer para o seu futuro? Porque a UE está numa encruzilhada: com a saída do Reino Unido, com aquilo a que acabei de me referir, sem referir no discurso do 25 de Abril, falando apenas de "experiências alheias" - que são as várias questões críticas que há em sistemas políticos na Europa, o desafio de populismos, de xenofobias, de contestações inorgânicas que estão a subir um pouco por todo o lado. Isto em véspera de eleições para o Parlamento Europeu. O risco de uma pulverização maior do Parlamento Europeu, com as consequências na formação da Comissão Europeia, isso a mim preocupa-me muito. Porque para a minha geração a Europa teve um significado fundamental, é indissociável da democracia e do desenvolvimento.
Acha que há riscos de ela se tornar ingovernável, se ficar pulverizada?
Não direi que fica ingovernável, mas que ficará pior governada. E era mau que a futura Comissão Europeia fosse mais fraca do que esta e que a UE saísse das eleições com uma base de sustentação muito débil em relação aquilo que se exige de fundamental. Se se quer uma UE que pese no mundo... se não se quer... mas seria triste chegarmos a essa conclusão.