Frei Bartolomeu dos Mártires “era um pastor que cheirava às suas ovelhas”
09-11-2019 - 17:49
 • Filipe d'Avillez

O bispo de Viana do Castelo, diocese onde está sepultado o novo santo português, diz que a luta pelo reconhecimento da sua obra não termina aqui. “Pedimos que ele fosse declarado doutor da Igreja”.

O Frei Bartolomeu dos Mártires, que é canonizado pelo Papa Francisco este domingo, “era um pastor que cheirava às suas ovelhas”, diz o bispo de Viana do Castelo, D. Anacleto Oliveira.

O responsável pela diocese onde está sepultado o agora santo recorda que quando ele foi nomeado arcebispo de Braga, uma posição que aceitou apenas “a grande custo”, fez questão de visitar todas as mais de 1200 paróquias da diocese, de três em três anos.

“Era um pastor que, no dizer do Papa Francisco, cheirava às suas ovelhas, passava grande parte do ano no meio do seu povo e tinha também um amor arreigado, profundo para com os pobres, que perdurou até ao final da vida”, diz D. Anacleto.

Bartolomeu dos Mártires era oriundo de Lisboa e cedo mostrou sinais de uma devoção extraordinária. O seu apelido “dos mártires” vem precisamente do facto de ele ter escolhido a Basílica dos Mártires como local predileto para expressar essa sua religiosidade.

“Aos 14 anos bateu à porta dos dominicanos, para espanto primeiro do porteiro e depois do superior, porque queria ser dominicano. Foi aceite, seguiu os estudos normais. Muito cedo formou-se em Teologia, deu aulas durante 14 anos no novo convento da Batalha”, recorda o bispo de Viana do Castelo.

Já depois de ter sido nomeado arcebispo de Braga, a mais importante diocese em Portugal, cujo responsável disputa com Toledo o título de “primaz das Espanhas”, esteve presente na terceira sessão do Concílio de Trento, onde deu nas vistas: “Foi a voz mais autorizada e a que mais contribuiu para as reformas então propostas na Igreja.”

Foi a essas reformas que se dedicou durante o resto do seu ministério em Braga. “Caracterizou-se pela formação do clero, construindo um dos primeiros seminários, que ainda hoje se chama Seminário Conciliar de Braga, depois procurando candidatos que ele próprio recrutava nas visitas pastorais. Escreveu o seu célebre catecismo, primeiramente para o clero – o baixo clero, se podemos chamar assim, que estava no meio do povo mas muito pouco instruído – e que se tornou uma obra pioneira.”

Foi também um pioneiro – 400 anos à frente do seu tempo – no que diz respeito a outras reformas. “Segundo parece teve uma outra intuição, que foi propor o uso do vernáculo para a liturgia. Parece que foi uma ideia dele. Tinha um fraquinho, como todos os santos, pelas celebrações e para ele era muito importante que os fiéis pudessem participar compreendendo aquilo que se estava a passar. Nesse aspeto é um homem pioneiro, sem dúvida, 400 anos antes do Concílio Vaticano II.”

Essa luta perdeu-a, mas mesmo para as outras reformas o caminho não foi fácil, e enfrentou muita oposição, sobretudo da parte do cabido da Sé de Braga, sendo essa uma das razões pelas quais se mudou para Viana do Castelo quando resignou ao ministério episcopal. “Viana do Castelo na altura era uma vila que na altura tinha já uma grande pujança, de tal maneira que Bartolomeu dos Mártires percebeu que devia investir em Viana do Castelo e mandou construir uma Igreja e um convento, e viveu cá os últimos oito anos da sua vida. Aqui faleceu, aqui está e aqui é honrado há muitos anos.”

“Depois de uns anos de estar sepultado em Viana houve a tentativa de trasladar os restos mortais para Braga e o povo vianense fez guarda à Igreja com todos os meios que tinha e não deixou que daqui fosse tirado o seu santo”, conta ainda D. Anacleto.

O processo de canonização, como o de beatificação que o antecedeu, foi chefiado pela arquidiocese de Braga, mas sempre em estreita colaboração com Viana. D. Anacleto sublinha a excelente relação entre as duas dioceses e acredita que este património comum só a virá fortalecer.

Contudo, esclarece também que este processo não acabou. “Quando escrevemos ao Papa Francisco a pedir a canonização também pediu que ele fosse declarado doutor da Igreja. Esse será o próximo passo. Nós não desistimos, porque ele deixou uma obra teológica e pastoral escrita, a vários níveis, que é digna de admiração e que ainda hoje é ponto de referência nomeadamente para nós, os bispos.”

“Achamos que merece estar entre os doutores da Igreja porque a Igreja tem muito a aprender com ele ainda”, conclui.