O ex-governador do Banco de Portugal (BdP), Vítor Constâncio, vai voltar a ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD).
A decisão foi tomada pelos deputados esta sexta-feira à tarde antes da audição de Jorge Tomé, ex-administrador da CGD, depois de ter sido revelado que Constâncio terá omitido na sua primeira audição que, enquanto governador do BdP, autorizou a Caixa a fornecer um crédito de 350 milhões de euros ao empresário Joe Berardo.
Em causa estão alegadas omissões de Constâncio na sua primeira audição na comissão de inquérito, altura em que não referiu que, em 2007, autorizou o empresário madeirense a levantar um crédito naquele valor junto da Caixa para comprar ações do BCP.
Face às notícias, PSD, Bloco de Esquerda, PCP e CDS exigiram esta manhã que Constâncio voltasse a ser ouvido no Parlamento sobre este assunto.
À Renascença, o secretário de Estado das Finanças, Mourinho Félix, disse que o Governo não comenta casos concretos, mas assumiu que as decisões tomadas por ex-governadores "têm de ser justificadas, explicadas, entendidas e percebidas sobre porque é que foram decididas dessa forma".
Entretanto, o ex.governador reagiu no Twitter às notícias sobre a sua alegada omissão, numa publicação em inglês na qual refere que "de nada" se lembra.
"Não fui questionado sobre isto [na anterior audição parlamentar] e ainda estou a investigar. Não me lembro de nada como isto há 15 anos e normalmente o supervisor (enquanto instituição) não interfere em operações tão concretas desta natureza", escreveu em resposta a um outro tweet.
Responsabilizar comissões e inquiridos
O presidente da Associação Cívica Integridade e Transparência diz que a nova audição do ex-governador é o mínimo que se pode exigir. João Paulo Batalha defende ser necessário esclarecer se “para além de sujar a cara” Constâncio também “terá sujado as mãos”.
“É o mínimo que se pode exigir, embora infelizmente nestas comissões de inquérito – quer esta, quer anteriores – já vimos que geralmente os reguladores têm tão má memória como os regulados. E o que nós constatamos em todas estas histórias é que houve gente que sujou as mãos a roubar dinheiro dos bancos, e houve gente que pelo menos sujou a cara a não fazer o seu trabalho, nomeadamente como reguladores.”
“Será seguramente o caso de Vitor Constâncio. O que esta notícia indicia é que ele teve um papel maior do que se esperava ao permitir uma operação que era suspeita à partida. Portanto é preciso agora esclarecer se Vitor Constâncio para além de sujar a cara, que já sabíamos que tinha sujado, também terá sujado as mãos”, diz.
João Paulo Batalha recorda que as comissões de inquérito têm de responsabilizar quem comete omissões ou mente perante os deputados.
“As comissões de inquérito têm um estatuto equiparado aos investigadores criminais e, portanto, é fundamental que se responsabilizem as pessoas que mesmo por omissão bloqueiam os trabalhos. É preciso verificar se há uma epidemia de amnésia em muitas das pessoas que são chamadas a estas comissões, incluindo Vitor Constâncio e responsabilizá-los”.
Face ao que se tem visto, o presidente da Associação Integridade e Transparência defende ser necessário trabalhar na defesa da credibilidade das comissões de inquérito. “A credibilidade das comissões de inquérito muito depende de duas coisas essenciais. A primeira é a de responsabilizar aqueles que mentem ou omitem informações às comissões de inquérito porque se não ninguém as respeitam e passam a ser um mero palco de teatro político. A segunda, essa mais política, é as comissões de inquérito de facto servirem para alguma coisa, não só para fazerem um relatório que depois segue para o Ministério Público mas para levarem a reformas objetivas, bem documentadas dos sistemas de gestão, das leis, dos mecanismos de controlo e transparência.”
“Infelizmente, vamos assistindo à multiplicação de comissões de inquérito, nomeadamente em questões de falência de bancos, sem que o resultado se traduza em reformas concretas”, lamenta João Paulo Batalha.