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O desafio da “Baleia Azul”, que já motivou três inquéritos do Ministério Público, está a deixar muitos pais preocupados, além de professores e as próprias autoridades. Mas o que fazer?
Manuel Coutinho, psicólogo clínico coordenador da Linha SOS Criança e secretário-geral do Instituto de Apoio à Criança esteve no programa Carla Rocha – Manhã da Renascença e deixa alguns conselhos.
Como podemos distinguir o isolamento normal dos jovens de um isolamento indicador de que algo corre mal?
A pergunta é pertinente. Todos os jovens se isolam. Faz parte do crescimento. A partir de uma certa altura, fecham a porta à família e abrem-na aos amigos. E nem sempre se isolam do mundo.
A questão patológica é quando os jovens só vivem isolados, porque um jovem saudável isola-se durante um determinado período de tempo, mas na escola convive, com a família convive.
O que faz a diferença é a quantidade de tempo que o jovem está ou não isolado. Não é pelo facto de um jovem estar pontualmente com o que chamamos “um momento depressivo” que está com uma depressão. Porque um jovem que passa por um momento depressivo está num momento de crescimento, com dúvidas existenciais, está a reflectir, está a tentar perceber os seus próprios limites.
É completamente saudável e os pais não devem invadir. Nem os pais nem ninguém. A questão agora da “Baleia Azul” faz com que muitos pais comecem, de uma forma persecutória, a invadir o espaço íntimo do filho.
Estamos a exagerar nos receios, então?
É preciso haver serenidade. Os jovens estão muito mais aptos a lidar com a internet do que os adultos; com estas redes sociais do que os adultos; com estes desafios perigosos online a que erradamente chamamos jogos. Os jovens já sabiam disto antes dos pais.
Os pais souberam agora e ficaram preocupados. E bem, mas devem estar mais preocupados com o relacionamento que têm com os seus filhos, com a relação afectiva profunda, de qualidade que estabelecem. Este deve ser o mote.
Não é como aqueles pais que só querem saber das notas dos filhos no final do ano. Têm de saber ao longo do ano e acompanhar. A questão da afectividade é uma questão para se tratar diariamente. Para se conversar, para se dialogar. Conversar sempre que é possível ter uma boa conversa. Para estar com os filhos.
Não temos de estar com os filhos só para criticar. Há pais que passam a vida a criticar negativamente os filhos e isto destrói a auto-estima.
Temos de dizer: “filho, tu és capaz, tu vais vencer”. Porque são estas as palavras mágicas que ajudam na boa construção da auto-estima, da auto-estima positiva, que fazem com que uma criança consiga ir em frente. Se uma criança tiver uma boa auto-estima, não se deixa influenciar por esta questão da “Baleia Azul”, ou outras baleias azuis que possam aparecer.
No tempo das nossas avós costumava-se dizer: “por aquela pessoa se atirar ao poço, tu vais-te atirar ao poço?” Claro que ninguém se atirava.
A maior parte dos jovens é saudável, prudente e não vai entrar nestas questões.
E como traçar a linha entre a vigilância e a privacidade do jovem?
Há o bom senso. E o bom senso ou se tem ou não se tem.
Há pais que já estão a limitar o acesso à internet
Isso não é positivo. Os pais devem controlar, mas não devem tornar-se o polícia mau da vida dos filhos. Devem conversar com os filhos, ver o que os filhos andam a fazer e devem confiar nos filhos, porque a confiança é extremamente importante nesta questão.
E perceber se os filhos têm comportamentos autolesivos – embora possam ter. Tenho na minha consulta, diariamente, um número de jovens com comportamentos autolesivos porque estão depressivos. Não pela questão da “Baleia Azul”. A dor psíquica é situada na pele. Eles cortam-se porque não aguentam. A dor psíquica é vaga e eles cortam os pulsos, muitas vezes, porque estão tristes, é uma forma de libertação daquela dor.
Como é que se trata um caso assim?
São situações que precisam de apoio de um psicólogo clínico, de um psiquiatra da adolescência e também da família.
Há respostas estatais para os jovens e para as famílias?
O Estado somos todos nós e as pessoas só se suicidam porque não encontram bons amigos. Todos nós temos uma função social, não podemos pôr tudo no Estado.
O Estado tem centros de saúde, tem hospitais, mas não sei se a resposta que é dada pelo Estado, contínua e continuada, é imediata. Mas posso dizer que, desde 1988, o Instituto de Apoio à Criança tem uma linha telefónica gratuita, para onde centenas de milhares de crianças já ligaram para falar destas e doutras situações.
O número é o 116 111.
São muitas as crianças e os jovens que, sem os pais saberem, telefonam, põem as suas dúvidas existenciais, os seus problemas, porque apresentam ideação suicida, e são os psicólogos da equipa que servem de suporte. E hoje muitos ainda estarão vivos, porque tiveram aquele apoio. Sendo que se trata de uma organização da sociedade civil.
Por isso, o Estado, as organizações da sociedade civil e todos nós – os professores, pais e amigos – temos a nossa quota-parte de responsabilidade.
O "Baleia Azul" consiste na atribuição de 50 tarefas, entre as quais cortar "o braço com uma lâmina" ou furar "a mão com uma agulha".
Os administradores do jogo enviam ainda filmes e músicas que os jovens têm de ouvir. Depois, levam a que estes avancem para a automutilação. A última tarefa é o suicídio. As vítimas são normalmente menores fragilizados a quem são feitas ameaças, pessoais e à família, em caso de abandono do jogo.
Se precisa de ajuda ou tem dúvidas sobre este tipo de problemas, contacte um médico especialista ou um dos vários serviços e linhas de apoio (gratuitas), como a Saúde 24 (808 24 24 24), o SOS Criança (116 111), a Linha Jovem (800 208 020) ou o S.O.S. Adolescente (800 202 484).
[Notícia actualizada às 18h36]