O aumento de salários proposto pelo Governo, de 2,7%, fica abaixo do que já é praticado em média pelo mercado, afirma o economista José Castro Caldas.
Em entrevista à Renascença, admite que não se percebe se o valor avançado pelo executivo é um acelerador ou um travão. É incompreensível.
“Ficamos sem saber se o que preocupa o Governo é valorizar os salários ou, pelo contrário, pôr um travão numa valorização que está a ocorrer de forma espontânea e que decorre de escassez de mão-de-obra em muitos setores, regiões e profissões”, comenta.
No entender do autor de “Negociação Salarial: o que está em jogo”, para repor os rendimentos de 2009 serão necessários aumentos salariais médios de 4% até 2023. Isto, tendo em conta o cenário previsto para os próximos quatro anos.
“Se aqueles pressupostos admitidos pelo Governo se vierem a revelar verdadeiros, então, para atingir os objetivos, seriam precisas valorizações desta ordem”, defende.
Mas atenção: estes aumentos decidem-se ao nível setorial, não à mesa da concertação social. “Devemos deixar isso para a negociação entre sindicatos e associações patronais setoriais e devemos procurar a valorização salarial pela eliminação das cláusulas introduzidas para desvalorizar a remuneração”, sublinha.
Dentro da alçada do Governo e com efeito direto nos salários, José Castro Caldas sugere várias medidas, entre as quais uma alteração da Lei do Trabalho.
“Na alteração do Código do Trabalho anterior, feita no período da troika, o trabalho extraordinário passou a ser remunerado – há quem diga, mesmo abaixo do trabalho normal. Se o objetivo é revalorizar o trabalho, esta é uma pequena alteração legislativa que poderia produzir esse efeito de forma muito direta”, aponta.
“Outra forma direta que o Governo tem de promover a valorização salarial é estabelecer metas para a negociação dos salários da administração pública que não sejam as que foram apresentadas – que é uma revalorização pela taxa de inflação que nem sequer é a prevista: é pela do ano passado, que foi muito baixa”, acrescenta.
Este investigador da Universidade de Coimbra lembra ainda que, hoje, a classe média vive próximo de limiares de privação.
“Não é de hoje que as pessoas que têm rendimentos próximos da média e da mediana salarial estão sujeitas a grandes privações. Agora, essas privações tendem a aumentar quando essas pessoas são confrontadas com situações novas, como a inflação extraordinária das rendas e prestações para aquisição de habitação, têm de procurar habitação mais longe do local de trabalho, o que envolve consumos de tempo e energia”, destaca.
“Portanto, há uma série de fatores de pressão sobre as pessoas com rendimentos médios ou medianos que não existiam no passado e são causa de preocupação”, realça.
Outra situação que preocupa este especialista em Trabalho e Políticas de Emprego é a dos trabalhadores mais jovens. José Castro Caldas diz que, muitas vezes, são até muito qualificados, mas continuam sujeitos a condições contratuais precárias e salários baixos.
Nesta segunda-feira, patrões e sindicatos voltam a reunir-se com o Governo para a segunda ronda de negociações com vista ao acordo sobre competitividade e rendimentos – o tal acordo que pretende fazer subir os salários médios dos portugueses.
Na reunião anterior, o Governo apontou como objetivo que os salários subam 2,7% no próximo ano, tendo em conta a subida da inflação e os ganhos de produtividade.