Encerrada a polémica em torno da inauguração oficial do memorial da homenagem às vítimas dos incêndios de Pedrógão Grande, o Presidente da República chegou a Pobrais poucos minutos depois da hora (re)marcada, com a presença de boa parte do Governo no meio de um ambiente de recolhimento e de semi-tréguas entre Belém e São Bento .
Terá pesado o local e o momento para a falta de bicadas de parte a parte. Pelo contrário. Marcelo Rebelo de Sousa optou por aqui e ali soltar elogios ao Governo no discurso que proferiu junto ao monumental lago que faz parte do memorial.
É certo que ficou para a posteridade a forma seca como o Presidente cumprimentou o ministro das Infraestruturas, com um aperto de mão de cortesia, sem mais. Afinal, Marcelo mantém que João Galamba deve ser demitido e aquela presença ali em Pedrógão podia soar de novo a provocação, como no Peso da Régua. Mas ninguém acusou o toque.
A cerimónia foi um regresso ao passado em que as relações entre São Bento e Belém andavam nos carris. O Presidente recordou as horas de terror da noite de 17 de junho de 2017, por exemplo, e de como o primeiro-ministro lhe foi dando conta do que se estava a passar. "Ele estava na Proteção Civil", lembrou Marcelo.
O esforço para não hostilizar o Governo notou-se, sobretudo, quando falou do futuro da região, deixando um elogio à ministra Ana Abrunhosa. "Queremos construir um futuro melhor. Tem sido esse o apelo da senhora ministra da Coesão. Com maior coesão territorial, com mais oportunidades económicas e sociais, com mais criação de riqueza e de emprego".
Para trás, pelo menos momentaneamente, ficou a ameaça velada de Marcelo a Ana Abrunhosa, no discurso sibilino em Novembro, na Trofa, em que lhe atirou um "não lhe perdoo" se a execução dos fundos europeus não for "aquela que deve ser".
Depois de um 10 de junho em alta rotação, com apupos a João Galamba em plena cerimónia no Peso da Régua, com um discurso do Presidente sobre a necessidade de "cortar ramos mortos que atingem a àrvore toda", e que muitos interpretaram como um novo pedido de demissão do ministro das Infraestruturas, em Pedrógão Grande foi tudo mais comedido.
Marcelo pediu "mais um sinal de vida" ao Governo para que as cerimónias do dia de Portugal do próximo ano se realizem nas zonas mais afetadas pelos incêndios de 2017.
"Olhando para este memorial, e tenho a certeza que o Governo me acompanhará nisso, é preciso dar mais um sinal de vida" para que em 2024 exista "uma junção de municípios aqui no centro para preparar a celebração do dia de Portugal com o pólo principal nestes três municípios", defendeu o Presidente.
E quase em jeito de pedido de autorização a Costa que estava ali em frente a ouvir, Marcelo reforçou que espera contar para este "sinal de vida" com o apoio do Governo e do Parlamento, "mas, sobretudo do Governo que é o mais importante".
De resto, os elogios não se ficaram pelo Governo. Marcelo estendeu-os a Gouveia e Melo, chefe do Estado Maior da Armada, presente nesta cerimónia em Pedrógão Grande, recordando como durante os incêndios de 2017 o então vice-almirante organizou a logística de apoio às populações.
"Pelo meio, aqui vinhamos e encontrávamos o senhor almirante a por de pé uma máquina logística que foi fundamental, foi a Marinha que tratou de assegurar a alimentação de milhares de pessoas durante longos dias".
Marcelo foi o último a discursar na cerimónia, já depois de o primeiro-ministro ter dito que espera que o memorial às vítimas dos incêndios seja um alerta permanente "de que o passado corre sempre o risco de se repetir e que Portugal é um país particularmente exposto ao risco das alterações climáticas, que aumenta todos os anos o risco de incêndios".
No final reinou o silêncio. Ficou por saber a opinião de António Costa sobre a realização no próximo ano de um 10 de junho na região centro, o dia imediatamente a seguir à realização das eleições europeias do próximo ano, e que tem sido apontada como data essencial para definir o futuro da legislatura. E também o futuro do próprio primeiro- ministro, sempre apontado a desempenhar um cargo europeu.
Sobre isso Costa também nada disse ou sobre o quer que fosse. No final da cerimónia falou aqui e ali com alguns dos convidados para a cerimónia, mas nem uma palavra aos jornalistas.
Marcelo optou pelo mesmo caminho saindo do recinto à conversa com o presidente da comunidade intermunicipal da região de Leiria, Gonçalo Lopes, meteu-se no carro presidencial e fugiu às perguntas dos jornalistas.
Pelo mesmo silêncio optaram os quatro ministros que estiveram na cerimónia. O ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa ou João Galamba. Aliás, o ministro das Infraestruturas questionado pelos jornalistas se não queria falar, respondeu de forma taxativa: "Eu?"