​Hugo Soares: O que aconteceu na Caixa "não é muito diferente do que aconteceu no BES”
20-07-2017 - 00:00

Em entrevista à Renascença e ao “Público”, o novo líder parlamentar do PSD acusa Ferro Rodrigues de "desdenhar" e "desrespeitar" a Assembleia. Vai propor novas regras para as comissões de inquérito. E admite pedir uma terceira sobre a gestão do banco público.

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O presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, pôs em causa a separação de poderes e também uma decisão dos partidos, diz o novo líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, ao programa “Hora da Verdade”. Nesta entrevista à Renascença e ao jornal “Público”, o social-democrata considera que "não é um comportamento à altura do segundo representante da nação".

A primeira decisão do seu mandato vai ser pedir a terceira comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD) desta legislatura?

A primeira coisa que devo dizer sobre isso é que não há memória [no Parlamento] de um tal branqueamento de uma investigação que devia ser feita. Nós hoje sabemos que o Ministério Público tem fundadas suspeitas sobre a prática de gestão danosa na CGD, seja na concessão de crédito, seja até naquilo que se chama maquilhagem das contas, no facto de terem escondido as imparidades nas contas da CGD, um fenómeno que não é muito diferente do que aconteceu no BES. Ou seja, o Ministério Público tem dúvidas sobre o que aconteceu a partir de 2007 de concessão de crédito de favor na CGD, que é algo que, além de um crime, desvirtua as regras de mercado e concorrência.

Disse que não é muito diferente do que aconteceu no BES?

Sim, esconder as contas, maquilhar as contas, não é diferente do que aconteceu no BES. E portanto era preciso apurar responsabilidades - e o Ministério Público fará esse apuramento. Mas a comissão de inquérito pediu aos tribunais acesso aos documentos, os tribunais vão dando razão à comissão (estamos agora à espera das últimas decisões do Supremo), e é a comissão de inquérito que fecha portas e diz aos tribunais que não quer esperar pelos documentos. Isto serve para esconder o que verdadeiramente aconteceu na CGD.

É um simulacro de comissão, aquilo que aconteceu. O Bloco, o PCP e o PS quiseram branquear mesmo o que aconteceu. Não colocamos de parte essa hipótese [de pedir novo inquérito], como não colocamos de parte - e vamos estudar e preparar uma proposta - uma alteração ao regime do inquérito parlamentar.

Em que sentido?

Nós temos que perceber de facto o que aconteceu nesta comissão. Mas há uma coisa que considero óbvia: se uma comissão de inquérito pede aos tribunais uma determinada decisão, ela tem que ficar suspensa até à decisão desse tribunal. Não podemos fechar uma comissão com total desrespeito por um órgão de soberania. Ora, o PS, BE e PCP colocaram-se de parte da descoberta da verdade. Isto nunca aconteceu na história da democracia portuguesa e é algo que deve ser muito denunciado, porque espelha bem esta maioria que usa uma espécie de rolo compressor para que as coisas não se sabem.

Vejam bem a alteração de linguagem dos partidos da esquerda: o Bloco hoje, em vez de créditos de favor, fala em créditos com maior grau de risco. O BE e o PCP comportam-se hoje como o Dupond e Dupond. Durante a semana, um diz mata e outro diz esfola - e acompanham o Governo em tudo. E durante o fim-de-semana chega a ser confrangedor ver as intervenções de Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, como se durante a semana não tivessem caucionado todas as opções do Governo.

Uma das pessoas a quem o PSD pediu intervenção neste processo da CGD foi a Ferro Rodrigues. O PSD confia no presidente da Assembleia?

Eu ainda estou à espera da intervenção do presidente Ferro Rodrigues. Nós de facto solicitámos ao presidente da Assembleia da República que exercesse o seu magistério de influência para chamar à razão os partidos com assento parlamentar numa questão que põe em causa a dignidade do Parlamento. Eu respeito institucionalmente o doutor Ferro Rodrigues, o que não me impede de dizer que tem tido um conjunto de posições que são claramente partidárias. E creio que um presidente que deve ser de todos os deputados não as pode ter.

Ainda este fim-de-semana assistimos a um conjunto de declarações, que são a opinião pessoal do doutor Ferro Rodrigues, mas eu lamento imenso: como eu aqui já me eximi de responder a algumas perguntas, porque creio que em algumas matérias um líder parlamentar não deve ter uma opinião pessoal acima das demais opiniões do grupo parlamentar, o doutor Ferro Rodrigues não pode ter opiniões pessoais que coloquem em causa a separação de poderes como fez este fim-de-semana. Ou não pode desdenhar de forma absolutamente inacreditável de uma deliberação da Assembleia da República que visa constituir uma comissão técnica independente para apurar a verdade dos factos do que falhou - e continua a falhar - no combate aos incêndios. E ele desdenhou dessa deliberação. Quem desdenha em causa própria desrespeita o órgão a quem preside. E isso não é um comportamento à altura do segundo representante da nação.