Todas as entidades ligadas à aviação civil foram apanhadas de surpresa com o volume de procura de voos que se está a registar, admite Rosário Macário, professora no Técnico com uma carreira de mais de 40 anos ligada ao setor da aviação.
Em declarações ao programa Em Nome da Lei da Renascença, a economista afirma que “ninguém estava à espera que essa retoma se antecipasse dois anos”.
“Todas as projeções que tínhamos da retoma, indústria, organizações internacionais e nós mesmo investigadores, nunca em nenhuma das projeções se admitiu que a retoma fosse em 2022. As projeções mais otimistas apontavam para a retoma no final de 2023, início de 2024”, sublinha Rosário Macário.
A economista defende que o caos que se vive nos aeroportos resulta dos despedimentos que foram feitos durante a pandemia, e que podem ter chegado aos 20% a 30% dos trabalhadores”.
“É uma situação muito complicada que decorre de quase dois anos de pandemia. O que aconteceu foi que muitas companhias despediram muito pessoal. Agora, querem contratar e não conseguem, porque não podem voltar a contratar os trabalhadores que despediram e outros optaram entretanto por outras profissões”, sublinha.
Segundo Rosário Macário, há uma agravante nesta crise na aviação civil: “no setor há profissões, como a dos pilotos, que exigem licenças e muitas horas de voo. Mesmo que a decisão seja amanhã vou contratar 100 pilotos, e esses 100 pilotos estejam disponíveis, eles não vão estar operacionais nem amanhã nem depois de amanhã”.
A especialista em aviação civil admite que a situação de caos nos aeroportos europeus “vai manter-se até ao final do ano”.
“A solução de longo prazo é Alcochete”
Rosário Macário reconhece os problemas estruturais do aeroporto de Lisboa e lamenta que se adie há 50 anos (quando se fez o primeiro estudo) a decisão sobre o novo aeroporto.
A consultora e professora do Técnico defende que isso só se explica pela incapacidade do país em tomar decisões de longo prazo e pela politização em torno da procura de alternativas.
Defende que a solução passa por construir dois aeroportos, tal como defendeu o ministro Pedro Nuno Santos. “Montijo e Alcochete não são alternativas. É preciso que isto fique bem claro. Montijo é uma solução de curto prazo, que permite evitar que Lisboa recuse tráfego nos anos imediatos, e pode vir a ser depois um aeroporto low cost . Mas a solução de longo prazo é Alcochete”.
André Teives, do Sindicato dos Técnicos de Handling dos Aeroportos, discorda de soluções provisórias.
Defende que se avance, quanto antes, para um novo aeroporto em Alcochete, porque a Portela não dá qualquer margem de manobra.
“Toda esta disrupção que se fala nos media nasceu no dia 1 de julho, quando a pista do aeroporto de Lisboa, a única, foi encerrada porque um jato privado rebentou um pneu e interditou a pista durante duas horas. Isso gerou de imediato que 25 voos, só da TAP, divergiram para outros aeroportos, afetando diretamente cinco mil passageiros. É disto que estamos a falar. Estamos a fazer tudo à pele. Não há, por exemplo, forma de fazermos voos extra, porque para isso precisamos de slots ,de aviões e de pessoas”, explica André Teives.
Quanto às bagagens acumuladas no aeroporto de Lisboa, André Teives diz que na base está a falta de investimento. Temos no mais importante aeroporto do país um sistema que “foi abandonado até pelas ilhas Canárias, por ser ineficaz”, afirma.
Como podem os passageiros fazer valer os seus direitos?
O jurista da Deco, Paulo Fonseca, diz que os passageiros se sentem hoje em dia tratados como consumidores low cost.
“Estamos a criar cada vez mais esta lógica de acessibilidade aos passageiros, de poderem viajar mais, mas ultimamente tem havido um corte sobretudo nas respostas e na garantia dos seus direitos”, afirma o jurista.
Um dos direitos mais importantes dos passageiros, defende Paulo Fonseca, e que falha com frequência, é o de assistência; ou seja o direito a que sejam pagas refeições, bebidas e alojamento, sempre que haja cancelamentos ou atrasos significativos dos voos, e mesmo quando não seja devida indemnização, por na origem terem estado circunstâncias extraordinárias, como uma greve.
A reclamação mais comum são os atrasos nos voos. Neste caso, além do direito à assistência, e tratando-se de um atraso considerável, o passageiro pode exigir à companhia o reembolso do bilhete e uma indemnização cujo valor depende do tipo de voo, da distância do mesmo e do tempo de atraso.
Se o voo chegar ao destino final com um atraso de três horas ou mais, o passageiro tem direito a uma indemnização que varia entre os 250 e os 600 euros.
São direitos garantidos pela legislação europeia quando o voo é feito por uma companhia europeia ou , não sendo, se a origem ou o destino do voo for um aeroporto da UE. Mas a fiscalização falha.
A Deco admite que recebe queixas de passageiros que não foram resolvidas pela ANAC, que é o organismo responsável pela aplicação dos direitos dos passageiros.
“Existe um mecanismo disponível para os passageiros que é o livro de reclamações, e esse livro também já é disponibilizado eletronicamente, que permite à ANAC receber também as reclamações. E esses passageiros muitas vezes quando nos chegam a nós, não tiveram antes resposta por parte da ANAC, muitas vezes a resposta da transportadora não é a adequada, e pior do que isso não conseguiram resolver o seu conflito através do mecanismo de resolução alternativa de litígios”, diz o coordenador da equipa jurídica da Deco.
Paulo Fonseca, da Deco, Rosário Macário, professora do Técnico e especialista em transportes e André Teives, do Sindicato dos Técnicos de Handling dos Aeroportos, foram os convidados deste sábado do Em Nome da Lei.
Foram ainda convidados a TAP, a ANA - Aeroportos, a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) e a Provedora do Cliente das Agências de Viagem e Turismo. Mas nenhuma destas entidades aceitou o convite do Em Nome da Lei para participar no debate sobre os direitos dos passageiros em contexto de caos nos aeroportos europeus.
O Em Nome da Lei é emitido todos os sábados ao meio-dia, e está sempre disponível nas plataformas de podcast.