A ministra da Presidência assegura que o Governo está disponível para negociar o Orçamento do Estado (OE) para 2022 e até abre a porta a que a negociação envolva outros compromissos, como questões laborais e o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Mariana Vieira da Silva admite, assim, que a solução para a viabilização do Orçamento seja encontrada fora do Orçamento, uma vez que tanto o PCP como o Bloco de Esquerda pretendem compromissos sobre o Serviço Nacional de Saúde e sobre legislação laboral que podem estar em documentos separados.
“Ao Orçamento o que é do Orçamento”, diz a ministra, mas o calendário destes três eixos “é suficientemente próximo para que as conversas possam decorrer”, ainda que sejam vertidas em “documentos necessariamente separados”.
O BE disse que este Orçamento não serve e o PCP disse que não era suficiente. A proposta do Governo, neste momento, com esta formulação e estas posições não tem quem a viabilize à esquerda. Como é que isto se resolve?
Aquilo que me parece fundamental realçar é o que cabe ao Governo é apresentar um bom Orçamento. Um bom orçamento para os portugueses, um orçamento que permita recuperar a economia desta pandemia e um OE que tenha condições para que as famílias possam sair desta crise, que foi uma crise muito forte, melhor do que ao que estavam à entrada. E essa foi a nossa prioridade. o segundo momento é um momento de negociação. Para isso temos que estar disponíveis para negociar e o Governo está disponível para negociar. Não posso deixar de dizer que o Orçamento responde a muitas das preocupações que têm sido sinalizadas pelos dois partidos, pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda. A nossa expectativa é que sendo este um orçamento que responde às expectativas do país, ele possa ser aprovado depois dessa negociação.
Nos outros orçamentos não tivemos uma posição tão extrema na apresentação do orçamento. O que é que aqui falhou? É uma questão de timing que acabou por ser influenciado pelas autárquicas?
É evidente que o calendário foi mais comprimido do que noutros anos. Mas não me parece que se possa dizer sobre este orçamento que ele não responde aquelas que são as prioridades que os partidos repetidamente e no espaço público têm referido como sendo as suas prioridades. É um OE que ao mesmo tempo tem de ter contas públicas sustentáveis, manter o contexto de equilíbrio das contas públicas que neste momento pós-crise implica uma trajetória de redução da dívida e redução do défice. Esse é o OE que apresentámos e agora é tempo das negociações e aquilo que é importante que fique claro é que o Governo está disponível para essas negociações.
O PCP diz que ainda há respostas diferentes que podem ser dadas nas negociações. Que respostas são essas?
As prioridades identificadas pelos partidos são respondidas neste orçamento, julgo que isso é reconhecido por todos, mesmo que seja referido que fiquem aquém ou sejam insuficientes. Se existe caminho a fazer cá estamos. Espaço para negociar existe, existiu sempre ao longo destes anos e foi sempre possível encontrar um caminho comum que agora nos cabe procurar.
E esse caminho, há mais respostas para as exigências do PCP do que para as exigências do BE? Até porque o BE coloca para as exigências do OE questões de legislação laboral e o PCP geralmente faz uma distinção.
Desde 2015 que as negociações são feitas separadamente e temos mantido com o PCP, BE, PEV e PAN um diálogo permanente sobre estas matérias. É verdade que quando uma parte das exigências não são orçamentais, mas num quadro de outro conjunto de discussões que temos em curso elas não podem aparecer no orçamento porque ele não é o lugar delas. Mas temos em negociação em concertação social a agenda do trabalho digno e em preparação o estatuto do SNS que decorre da Lei de Bases da Saúde. Estes são dois instrumentos fundamentais, duas reformas muito importantes que temos pela frente e no quadro dessas reformas podem ser discutidos outros temas. Ao OE o que é do OE e por isso temos um calendário suficientemente próximo para que as conversas possam decorrer, mas são necessariamente documentos separados.
A ideia de que há uns mais próximos ou fáceis de negociar do que outros não me parece útil neste momento. Cada um tem a sua maneira de negociar. Tem sido possível ao longo dos últimos muitos anos aproximar posições num quadro de reconhecimento das diferenças que existem. Todo este processo desde 2015 só foi possível porque cada partido pode manter as suas posições sobre as diferentes matérias, da legislação laboral às questões orçamentais, e à forma como lidamos com as regras e equilíbrio das contas públicas, mas foi sempre possível que os pontos em comum pudessem ser construídos reconhecendo estas diferenças. Isso não é diferente depois da pandemia, nem nesta segunda legislatura.
E quais são as linhas vermelhas do Governo?
Desde 2015 que é claro que para nós um OE só é bom se for feito num cenário de contas públicas equilibradas. Isto não quer dizer que exista um número mágico do défice. Tanto é assim que o ano passado o défice foi muito maior, havia uma crise a responder, havia apoios sociais a desenhar e um fortíssimo apoio dado à economia. Esse apoio já não é à suspensão, mas à recuperação. Um país com uma dívida como Portugal tem, tem de haver uma trajetória de descida dessa dívida.
Se falharem as negociações à esquerda, há alguma hipótese de negociar com o PSD?
O OE que é aqui apresentado tem uma marca de esquerda bem visível. E os poucos comentários que até ao dia de hoje conhecemos [do PSD] sobre as matérias orçamentais são que nunca fariam um aumento de salário mínimo tão grande ou que provavelmente se o pudessem nem o fariam, que um dos problemas que o país tem é um excesso de apoios sociais. Todas estas intervenções mostram a dificuldade que é encontrar um caminho comum de recuperação da crise, entre o PS e o PSD.
O primeiro-ministro já disse que no dia em que dependesse do PSD o seu Governo acabaria.
Estou a dar exemplos de porque é que essa negociação é difícil, para não dizer impossível. Não é um olhar comum e que possa permitir o caminho de recuperação da economia. Para um país que seria particularmente sensível com uma crise como esta, a capacidade de recuperar tem sido assinalável e esse caminho fez-se com apoios, com rede para que as empresas não fechassem e esse é o caminho que queremos prosseguir.
Com os votos contra de todas as bancadas e com o PSD a ser um caminho "difícil se não impossível" até onde é que o Governo pode ir com este braço de ferro? O PR já disse que não queria uma crise política? Negociar com o PSD está mesmo fora da mesa?
Não chamaria um braço de ferro. É um momento normal, uma negociação entre partidos em que cada um procura defender as suas prioridades. E essa negociação entre o PS, O PAN, PCP, PEV e BE deve continuar e é para ela que estamos preparados. As reuniões têm acontecido e todos conhecemos as posições que temos e é o tempo dessa negociação no enquadramento geral que temos tido desde 2015.
Já falou do caminho que é feito desde 2015 em três momentos. Hoje arrepende-se que depois das legislativas de 2019 não tenham sido feitos acordos semelhantes aos que foram feitos em 2015 e que poderiam trazer mais estabilidade para esta legislatura?
A existência de um acordo implica que se encontre esse ponto de compromisso. Não foi possível encontrá-lo em 2019, como já tive oportunidade de referir no passado quando perante um acordo apresento um conjunto de condições prévias que a outra parte não pode aceitar, então esse acordo está comprometido. Mas desde 2019 também tem sido possível aprovar orçamentos. Sabemos que há divergência e devemos procurar aproximarmo-nos dessas divergências tendo sempre presente que um acordo é sempre um caminho de compromisso e não um caminho em que cada qual fica na sua posição.
E até que ponto espera alguma ajuda do Presidente da República (PR) que na sexta-feira recebe os partidos e que já disse que vai usar os seus poderes até ao limite para garantir que os dois orçamentos que faltam são aprovados?
Estes últimos anos têm sido exemplares da forma em que as diferentes instituições do nosso país se articulam. Esse é o lugar do PR e não tenho nenhum comentário a fazer. O lugar que o PR ocupa é importantíssimo e isso não alivia ninguém de fazer o caminho negocial que tem a fazer.
O PR fez recentemente um discurso em que disse que Portugal não pode perder esta oportunidade, apelando a um país mais inclusivo. Como é que isso se faz?
Temos neste momento em discussão pública a estratégia nacional de combate à pobreza até dia 25. Além disso, o PRR tem uma forte dimensão de resiliência e combate e resposta às vulnerabilidades sociais, com respostas dirigidas a contextos de múltiplas vulnerabilidades como existem em muitos casos nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, também com uma preocupação relativamente à habitação temporária e que é de emergência e que tanto falámos este ano com o exemplo de Odemira, mas também com o acolhimento de refugiados. A resposta dada à pobreza infantil é uma resposta muito significativa, tanto no aumento do abono de família do 1.º e 2.º escalão, como o aumento das deduções fiscais para famílias com filhos como garantia de quem mesmo quem não tem a possibilidade de acompanhar essas deduções tem o complemento que possa beneficiar e este é um OE com muitas preocupações para as famílias com filhos, em situação em grande desigualdade, para não repetir os ciclos de desigualdade e pobreza que temos. As preocupações do PR são preocupações antigas às quais o Governo tenta dar resposta.
Como é que esta prestação para as famílias em situação de extrema pobreza se vai articular com outras prestações sociais que já existem como o rendimento mínimo? Podem ser cumulativas?
Podem. Esta prestação responde como complemento ao abono de família. O que aqui é definido é que quando a criança está numa família que vive em pobreza extrema e estamos a falar de pessoas em situação muito difícil, existe um complemento para que o valor total recebido por aquela família não seja inferior aos 100 euros por mês. Nos últimos anos foi aumentado para as crianças mais jovens e o que fazemos agora é um foco nas crianças mais pobres. É a relação mais direta.
Tendo em conta a situação política que vivemos, a quem poderia interessar irmos para eleições antecipadas?
Neste momento o país precisa de um orçamento para fazer esta recuperação económica e social. Não interessa ao país ir para eleições neste momento, interessa ter uma resposta orçamental. Quando olhamos para o OE não podemos deixar de olhar para o momento que o país vive.