No Conselho Europeu que esta semana se reúne em Bruxelas será debatida a questão da Polónia. O tribunal constitucional polaco, seguindo instruções do Governo de Varsóvia, rejeita o primado do direito europeu sobre o direito nacional dos Estados-membros e considera inconstitucionais, na Polónia, vários artigos dos tratados europeus.
O primeiro-ministro dos Países Baixos, Mark Rutte, irá propor que a Polónia não receba fundos do Plano de Recuperação e Resiliência enquanto não for restabelecido por Varsóvia aquele primado. Outros países da UE considerados “frugais” deverão apoiar a proposta holandesa.
O Governo polaco não quer sair da UE. Visa, antes, mudar radicalmente a arquitetura jurídico-constitucional da UE. Daí que o semanário britânico “The Economist” considere que esse é o real problema levantado por Varsóvia – tudo seria mais simples se a Polónia decidisse abandonar a UE.
É instrutivo lembrar uma crise que surgiu em 1965 na então CEE. O Tratado de Roma, de 1957, previa que as decisões no Conselho de Ministros da CEE seriam tomadas por unanimidade; mas também determinava que, a partir do início de 1966, em certas matérias haveria decisões por maioria. Ou seja, a dimensão supranacional da integração europeia, onde se manifesta a soberania partilhada, não é algo recente, como às vezes se diz – é um traço constitutivo da CEE, depois UE.
Uma decisão por maioria fere a soberania nacional do país que vota vencido. O general de Gaulle, então Presidente da França, não aceitava que a soberania da França pudesse ser assim beliscada e determinou que o seu país deixasse de participar nas reuniões do Conselho da CEE, tendo também chamado a Paris o representante permanente da França em Bruxelas.
Durante sete meses, a cadeira da França no Conselho ficou vazia. Esta crise, chamada “da cadeira vazia”, ficou sanada em janeiro de 1966, através do “compromisso do Luxemburgo”. Os seis Estados-membros da CEE comprometeram-se a prolongar os debates no Conselho até à obtenção de um consenso unânime em assuntos de grande importância (quando estivessem em causa interesses nacionais de importância vital). Este compromisso nunca foi reconhecido como disposição legal – foi um “modus vivendi” político que permitiu ultrapassar a “crise da cadeira vazia”.
O general de Gaulle era um soberanista mas também um democrata. O mesmo não se pode dizer dos atuais governantes polacos.
O Governo polaco não se limita a rejeitar o primado do direito europeu – domina o sistema judicial da Polónia, além de pôr em causa o direito de livre expressão, os direitos das minorias sexuais, etc. É um programa de extrema-direita pura e dura, visando instalar um Estado autoritário, que os atuais governantes de Varsóvia querem levar por diante. O que é inaceitável para a UE.
Não será fácil empurrar a Polónia para fora da UE, até porque conta com o apoio da Hungria, que prossegue uma orientação “iliberal” semelhante. Serão os polacos, através do voto, quem poderá um dia ultrapassar este problema de fundo com que a UE terá de viver nos próximos tempos.