O médico António Maia Gonçalves, especialista em Medicina Interna e Cuidados Intensivos, considera que o processo legislativo em curso sobre a eutanásia é "apressado" e revela “leviandade legislativa”.
"Não faz sentido esta pressa legislativa de querer legislar uma eutanásia", diz, em entrevista à Renascença, o clínico, que é o responsável pelos Cuidados Intensivos da Casa de Saúde da Boavista, no Porto, e trabalha também no Hospital de Braga, onde é responsável pela formação.
Para António Maia Gonçalves, “falta debate” e não houve, sequer, uma discussão sobre ”a possibilidade de suicídio assistido, que é diferente da eutanásia” e poderia “ter sido debatido como eventual direito de cidadania”.
"Nem sequer nenhum dos partidos põe a possibilidade de suicídio assistido. Porquê a eutanásia e não suicídio assistido? Eu não sei se é uma maldade o que vou dizer, mas nem sei se os deputados têm ideia da diferença entre eutanásia e suicídio assistido. É um assunto muito sério. A vida das pessoas é uma coisa muito importante. Temos de ter muito respeito por isso e estamos a falar de tratar dos nossos pais e de como nos vão tratar a nós. Não se pode ter quase uma leviandade legislativa", considera.
"Eu tenho alguma frustração, porque eu gosto de uma sociedade solidária, não gosto de sociedades solitárias. Nesse contexto, nós temos que perceber que uma pessoa requerer ser morta é um ato de desespero inacreditável. E é seguramente um sintoma de grande desacompanhamento", diz o especialista, que defende, assim, que seja dada prioridade aos cuidados paliativos. “O SNS não pode funcionar como há 30 anos. A realidade demográfica mudou e implica soluções diferentes”, argumenta.
"Eu sinto uma frustração muito grande como médico que dedica a sua vida a fazer exatamente o contrário" do que propõe a eutanásia. "Para mim, a eutanásia não é uma atitude de solidariedade."
O médico lançou, recentemente, "Reanimar?", um livro em que fala sobre "quais os critérios de decisão de um médico no contexto de uma paragem cardio-respiratória: se devemos reanimar os doentes todos, se não devemos reanimar e, quando não reanimamos, quais os critérios que presidem esse tipo de decisões, que são decisões de enorme gravidade".
"O livro fala um bocadinho de algumas histórias clínicas que foram acontecendo ao longo da minha vida clínica, daquelas que me foram marcando mais e que, em contexto de livro, seria fácil descodificar para serem acessíveis a qualquer pessoa", conta.