Estabilidade política, crescimento económico e orçamentos claros
08-04-2021 - 14:37

Na semana em que a Renascença completa 84 anos, olhamos para várias áreas da sociedade procurando perceber os novos caminhos que, como sociedade, estamos a percorrer.

As prioridades políticas pós-pandemia são três:

1 - Estabilidade política

Precisamos de ter, finalmente, estabilidade política com um Governo maioritário mesmo que seja de coligação.

O pós -pandemia vai ser já 2022-2023. Não sabemos se temos uma crise política até lá, mas há um ponto que acho muito importante para a sustentabilidade do país que é a questão de ter governo maioritários que consigam implementar reformas estruturais.

Isso não se consegue com governo minoritários e aquilo que se tem visto é que os Orçamentos do Estado têm uma aprovação cada vez mais complexa, o que fragiliza ainda mais o Governo. Portanto, a primeira prioridade para mim seria evoluirmos para o nível do que são as democracias europeias em que ou há governos majoritários do governo que ganha as eleições ou, quando não há maioria, há coligações e há acordos de legislatura.

Não é indispensável a reforma do sistema eleitoral para a estabilidade política, o que é indispensável é que haja uma cultura de que devemos ter governos para a legislatura e uma forma de conseguir isso e de dar alguma coerência às políticas públicas é, se nenhum partido tem apoio maioritário na Assembleia da República, o partido que ganhar as eleições ou outro tem de conseguir gerar um acordo de coligação para a legislatura, um acordo bem desenhado, bem discutido e bem trabalhado. Não é um acordo feito em quatro ou cinco dias; é à maneira nórdica, dos países do centro da Europa que não têm partidos maioritários a ganhar eleições e fazem sempre governos de coligação.

Dito isto, defendo a mudança do sistema eleitoral, não por razões de estabilidade política, mas por razões de justiça para com os cidadãos. Um cidadão de Portalegre que se reveja num partido que não seja o PS ou o PSD, que são os únicos que têm hipótese de eleger algum deputado naquele círculo, acha que o seu voto é inútil.

Teria sentido haver um círculo eleitoral no Alentejo, um único círculo e não três círculos separados que elegem dois, três e quatro deputados. Por outro lado, é preciso também uma reforma que altere um pouco a relação entre o cidadão e os seus eleitos, nomeadamente um regime do tipo do sistema alemão em que se possa votar nominalmente em candidatos a deputados. Isso beneficiaria o sistema político e obrigaria os partidos a mudarem.

Vejo a reforma do sistema eleitoral como uma forma de ajudar os partidos a mudarem e é, precisamente, porque os partidos não querem mudar que não tem havido reforma do sistema eleitoral. Isto é um pouco uma pescadinha de rabo na boca porque, obviamente, uma reforma do sistema eleitoral obrigaria à reforma dos partidos.

Isto são reformas estruturais não tanto para a estabilidade política, mas por exemplo para o crescimento económico. Não tenho dúvida nenhuma de que, se houvesse o círculo do Alentejo ou do Norte Interior, isso aumentava a escala do pensamento de políticas públicas.

A reforma do sistema eleitoral não é indispensável para a estabilidade política, é indispensável, mas para resolver outros problemas que são a esclerose institucional dos partidos políticos que só estão a mexer agora porque surgem novos partidos

2 - Ter uma estratégia para o crescimento económico sustentável e inclusivo

Portugal não cresce basicamente há 20 anos e sem crescimento económico - obviamente que deve ser sustentável e deve ser inclusivo -, não conseguimos resolver o problema das finanças públicas e, portanto, o problema da vulnerabilidade que temos ainda no nosso país.

Tem de haver uma estratégia para o crescimento e penso que não há uma estratégia clara para o crescimento. O Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) - que vai ser o pós-pandemia porque só vamos receber verbas nos segundo semestre deste ano - elenca um conjunto de medidas, muitas delas até são medidas que o Governo já queria implementar há muito tempo, como as que são ligadas à saúde e, portanto, são medidas dispersas, mas não há ali uma estratégia para o crescimento.


O PRR não tem uma visão estratégica, é uma lista de medidas, mas não se percebe como é que isso vai ser o motor do crescimento económico e, sem crescimento económico, estaremos muito mal daqui a cinco anos, porque temos um ratio de divida no PIB altíssimo, o que nos cria uma grande vulnerabilidade nos mercados.

Neste momento, o Banco Central Europeu (BCE) está a ter uma política de compra de obrigações no mercado secundário, está a ter uma política monetária expansionista e está a assegurar juros baixos, mas isto não vai durar para sempre e, portanto, é importante que consigamos ter uma estratégia para o crescimento económico.

O PRR fala muito naqueles pilares da digitalização e da descarbonização da economia, que são importantíssimos, mas não se percebe como é que esse processo de digitalização e descarbonização vai também promover o crescimento económico.

3 - Sustentabilidade das finanças públicas

Decorre um pouco da segunda prioridade, porque obviamente o crescimento ajuda a sustentabilidade das finanças públicas, mas há uma grande reforma ao nível da gestão orçamental do país que tem de ser feita.

Um exemplo que, para mim, é paradigmático é a implementação dos programas orçamentais, ou seja começarmos a olhar para as finanças públicas, não do ponto de vista de quanto é que se gasta em pessoal, quanto é que se gasta em bens e serviços, quanto é que se gasta nisto e naquilo, mas a olhar para os resultados.

A orçamentação por programas, que andamos a adiar há mais de dez anos em Portugal, é precisamente isso: é definir quais são os nossos objetivos para cada área da governação e arranjar indicadores e ter metas para os alcançar. Pensar nos resultados nos resultados das políticas públicas e não em quanto é que custam.

A forma como se tem lidado com as finanças públicas há 30 anos em Portugal e como se discute no espaço público é: “este ministério tem mais 15 por cento, aquele tem menos 5 por cento…”. Isto não significa quase nada.

O que temos de ter é programas. Pegamos, por exemplo, no caso da diabetes e dizemos assim “quanto é que se gasta em diabetes e doenças relacionadas?”.' É uma enormidade, cerca de um décimo da despesa do Serviço Nacional de Saúde, segundo os meus cálculos. Há um programa nacional para a diabetes, mas não há estrutura de governação para esse programa, não há indicadores, não há nada que acompanhe esse programa. Fazemos uma gestão de finanças públicas que tem a ver com o dia-a-dia e não tem a ver com objetivos e com indicadores.

Esta ideia dos programas orçamentais, que é uma forma diferente, é orientada para os objetivos das políticas públicas. Por exemplo, queremos aumentar a celeridade da justiça, que é um ingrediente fundamental para o crescimento económico, então vamos definir objetivos, vamos tentar ter indicadores e vamos ver como esses indicadores se estão a comportar e ter metas para alcançar no pós-pandemia no espaço de três ou quatro anos.

Esta forma de funcionar das finanças públicas não tem só a ver com a sustentabilidade em termos de fazer uma consolidação orçamental, mas vamos ter necessariamente de regressar às regras do pacto de estabilidade e crescimento em 2023. Não acredito que haja grandes alterações nessas regras, há vários países que são muito ortodoxos e este tipo de decisões tem de ser relativamente consensuais. Pode haver pequenas alterações, mas vamos de caminhar novamente no sentido da consolidação orçamental pós-2023, mas isso não chega. Não chega ter um défice equilibrado, não chega ter contas públicas equilibradas, é preciso muito mais do que isso: é preciso mais transparência.

Neste momento, o Orçamento do Estado está, novamente, mais complexo, mais difícil de ler e de interpretar. No Instituto de Políticas Públicas vamos fazer agora o ‘orçamento cidadão’ para tentar explicar algo que não é nada claro: por exemplo, responder a uma cosia tão simples que é onde se gasta o dinheiro do Estado.

A resposta a esta questão não é clara no Orçamento do Estado. Se quisermos dizer quanto é que se gasta na Segurança Social, quanto é que se gasta na Cultura isso não é claro.

A parte política de negociação, obviamente, complexifica e torna mais incoerente o Orçamento do Estado, pelo facto de termos um governo minoritário que tem de negociar à esquerda e à direita a passagem de medidas.

Mas a montante dito e porque no fundo a proposta de Orçamento é do Governo, não tem havido, a meu ver, o investimento necessário por parte do Ministério das Finanças para clarificar o Orçamento do Estado.

O Orçamento não é nada transparente, nós dizemos isto no Instituto de Políticas Públicas, a Unidade Técnica de Acompanhamento Orçamental (UTAO) também diz isto e não tem havido melhores significativas nesse campo. O Ministério das Finanças tem de fazer muito mais em termos de qualidade, transparência e rigor do Orçamento do Estado.


Paulo Trigo Pereira, Professor Catedrático de Economia no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG – Universidade de Lisboa), ex-deputado eleito pelo PS, fez parte do grupo de 12 economistas, liderado por Mário Centeno, que preparou a “Agenda para a Década” a pedido de António Costa, em 2015

Depoimento recolhido por Eunice Lourenço