Ao lado das trinta recomendações em diversas áreas que podem melhorar a vida dos mais idosos, a APAV- Associação Portuguesa de Apoio à Vítima e a Fundação Gulbenkian (FCG) guardam uma coluna mais magra no Relatório "Portugal Mais Velho" onde explicitam a quem é que se dirigem essas sugestões.
Durante um ano e meio, dezenas de especialistas, cuidadores, familiares, idosos e outras pessoas ligadas a este tema contribuíram com reflexões e caos práticos que contribuem para um grande diagnóstico sobre o estado do país neste domínio, dirigido a ministérios, institutos públicos e entidades privadas de várias origens.
Entre as três dezenas de recomendações, saltam à vista medidas de natureza legislativa e fiscal que, acreditam a APAV e a FCG, podem proteger mais os idosos e beneficiar mais quem deles cuida, em particular dentro das suas residências. É o caso de uma proposta de revisão do Direito Sucessório, para punir descendentes que maltratam ou abandonam os seus idosos.
"De uma forma simples, é salvaguardar a escolha da pessoa mais velha para, em situações de maus tratos ou negligência por parte de familiares, poder deserdar os descendentes", explica Luís Jerónimo, diretor do Programa Gulbenkian Desenvolvimento Sustentável, que apresenta esta quinta-feira este relatório feito a meias com a Associação de Apoio à Vítima.
Travar a violência doméstica nos idosos
Outra das recomendações na área legislativa passa por um reforço da proteção das pessoas idosas vítimas de crime cometido em contexto doméstico. As instituições querem o alargamento do conceito de coabitação, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal.
"A atual redação desta alínea exige coabitação entre o/a agressor/a do crime e a vítima particularmente indefesa em razão da idade. Uma vez que em muitos casos de violência contra pessoas idosas o/a agressor/a não vive com a vítima (por exemplo, filho/a que tem a sua própria casa), alguns comportamentos violentos não são qualificados como violência doméstica à luz do critério da coabitação. Para acautelar estas situações bastante frequentes, deverá passar a considerar-se que há coabitação quando o/a agressor/a visita a habitação da vítima de forma tão frequente e por tais períodos de tempo que seja razoável considerá-lo como membro daquela, mesmo que aí não resida", pode ler-se nas recomendações do Relatório "Portugal Mais Velho" hoje divulgado.
O documento pede ainda a apresentação de dados desagregados sobre a vitimação de pessoas idosas nas Estatísticas da Justiça.
Uma Comissão Nacional de Proteção dos Idosos
Em rigor, o termo proposto no Relatório é uma Comissão para Pessoas Adultas em Situações de Vulnerabilidade, com uma representação nacional e várias locais, a exemplo das comissões de proteção de crianças e jovens em risco. Luis Jerónimo acredita que esta medida "com as devidas aprendizagens e adaptações" pode permitir acompanhar as situações sinalizadas e prevenir agravamento de muitas situações de maus tratos e de violência, num modelo semelhante aos menores.
O Relatório propõe ainda a "monitorização e avaliação das políticas públicas na área do envelhecimento através da criação de um grupo de trabalho interministerial e com participação da sociedade civil que fique na dependência da Ministra de Estado e da Presidência". E porque consideram que os idosos contam e não apenas custam ao Estado, a APAV e Gulbenkian sugerem a realização de um estudo sobre o impacto da população idosa nas contas do Estado, à semelhança do estudo conduzido, em 2003, pelo Alto Comissariado para as Migrações relativamente aos imigrantes.
Mais apoios para cuidar em casa
A APAV e a Gulbenkian pedem uma alteração nas categorias dos cuidadores, deixando de os caracterizar como formais e informais para passar a designá-los, respetivamente, como profissionais e familiares. Para estes últimos pede-se uma estratégia nacional para a sua formação e algumas mexidas no Código de Trabalho que aprofundem o Estatuto do Cuidador Informal, estabelecendo um regime de licenças, reduções ou flexibilizações de horário para tratar de progenitores ou outros familiares idosos.
Luis Jerónimo sublinha ainda a necessidade de alterar o regime de benefícios fiscais de modo a que sempre que seja possível as pessoas mais velhas se mantenham nas suas casas.
"Neste momento, este regime contempla apoios às famílias que têm encargos com lares, mas ainda não inclui os encargos que tenham com idosos a cargo nas suas casas", observa este diretor da Gulbenkian à Renascença, admitindo que a Fundação vai apoiar a formação destes cuidadores depois da apresentação deste relatório.
Mais atenção aos lares
A situação nos lares tem sido um foco constante ao longo da pandemia. No posfácio do Relatório, Isabel Dias , Professora de Sociologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, sustenta que a violência e a negligência "encontram no isolamento das pessoas mais velhas um dos seus maiores aliados, o que exige, em termos de políticas públicas, dos serviços médico-sociais, das associações de apoio à vítima e das forças de segurança pública, uma maior atenção e vigilância dos contextos familiares e institucionais de inserção desta população".
No plano dos lares, pede-se melhor fiscalização das instituições que acolhem ou prestam apoio a pessoas idosas. A formação dos cuidadores profissionais é ainda uma das pechas centrais do sistema.
"Importa assegurar que os quadros dirigentes e técnicos, incluindo cuidadores, tenham melhor capacidade técnica para poder desenvolver a sua atividade e que também possam ter mecanismos de salvaguarda que lhes permitam gerir melhor situações de exaustão e stress em que muitas vezes estão colocados", apela Luis Jerónimo que sublinha que a falta de formação, associada a estas tensões visíveis em muitos destes cuidadores profissionais, são fatores que potenciam algumas situações de violência sobre idosos.