Um dia, no futuro, alguém poderá escrever um suculento livro com o título «História da Banca Portuguesa nos (des)Governos do Século XXI”. Se bem fundada e rigorosa, será uma obra utilíssima para compreender por que vias se fabricam, nas sociedades democráticas, a estupefação, o desânimo, o protesto ou o ódio surdo, o caldo onde os radicalismos costumam mobilizar a mão-de-obra antissistema. Parte da esquerda não gosta particularmente de bancos, porque são instituição privadas e capitalistas; ou só gosta deles nacionalizados e com os cofres à disposição da clientela. A direita mais libertária, essa, adora bancos por esta última razão, desde que eles sejam privados ou que o Estado seja propriedade da oligarquia. Eu não tenho, à partida, estados de espírito em relação a bancos – salvo um, prosaico, que é o de os querer bem geridos, a servirem a economia (foi para isso que os inventaram), e não a drenarem a sociedade e os contribuintes através de injeções estatais para sobreviverem.
É este último fenómeno, porém, que tem marcado a banca portuguesa. Desde o governo Sócrates, passando por Passos Coelho e António Costa, já aconteceu a nacionalização do BPN, a falência fraudulenta do BPP, as recapitalizações da CGD, do BPI e do BCP (no quadro das ajudas da troika), as reestruturações do BANIF, os sobressaltos do Montepio, além da resolução do BES, um belo eufemismo para a trapalhada que se arrasta desde 2014.
Recordemos as promessas de então: o BES e o lixo tóxico desapareceriam e dessa purga emergiria um Novo Banco “limpo”, ao preço de 4,9 mil milhões €. Era a fatura a pagar para não haver uma “ruína sistémica” por contágio do tecido bancário nacional. Muito bem. Ou muito mal. Com os 1150 milhões € que o Novo Banco agora pediu ao Fundo de Resolução (outro belo eufemismo para o Estado que somos nós), as ajudas a um banco que diziam nascer purificado já vão quase nos 9 mil milhões €. Eu percebo a lógica clarificadora do seu CEO, António Ramalho, ao explicar que, afinal, o Novo Banco são dois: o “reestruturante”, que até tem um lucro marginal, e o “legacy”, mais um eufemismo, em linguagem “corporate prestige”, para designar todo o crédito malparado e todas as imparidades que, no fim das contas, continuaram no Novo Banco. Percebo menos é a ligeireza com que o Ministro Mário Centeno se revela tão surpreendido que até determinou uma auditoria à coisa. O que anda ele a fazer no Ministério das Finanças há três anos e meio? E que dizer do “excelente” Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, que supervisiona pouco e que parece que só estava na CGD para completar o quórum de reuniões?!!
Os números falam por si e não podem suscitar senão revolta. Em dez anos, entre 2008 e 2018, os resgates bancários somados já custaram aos portugueses 15 mil milhões €. De motor da economia, que existe para mediar dinheiro e, com o justo lucro para a casa, proporcionar confiança e a prosperidade possível a poupanças, depósitos e vidas, a banca tornou-se um sorvedouro, um ónus, um peso que, em completa inversão de lógica, seca a sociedade de forma absolutamente imoral. É facílimo, e tentador, ser populista ao falar do assunto. A cada português, o sistema bancário deve, neste momento, cerca de 1400 €; para minha casa, deveria seguir um cheque de 2800 €; reunida a minha família, assim por alto, teríamos um pé de meia de uns 20 mil € a haver. Cada um faça as suas contas. Sim, o argumento é exagerado. Mas a sangria dos bancos é escandalosa e percebe-se o sentimento de quem se pergunta por que é que há dinheiro para as negociatas da banca e não para resgatar o SNS, reequipar escolas ou tribunais, pagar melhores salários e pensões e aliviar a carga fiscal sobre o trabalho.