A esmagadora maioria dos inquéritos ao crime de violência doméstica acaba arquivada “porque o Ministério Público não recolhe prova suficiente”. A crítica é tecida pelo procurador jubilado Rui do Carmo, que tem estudado os homicídios em contexto conjugal e agora coordena a missão técnica nomeada pelo Governo para apresentar medidas para a prevenção e combate à violência doméstica.
Para o especialista, “o Ministério Público tem de ser mais proativo na fase de inquérito”.
Sem revelar as recomendações que irá apresentar na segunda semana de junho ao Governo, Rui do Carmo fala em medidas concretas para reforçar a proteção das vítimas nas 72 horas a seguir à denúncia do crime e para tornar mais eficaz esse processo de recolha de prova. A par disso, pretende também melhorar a recolha e tratamento de dados e a formação dos magistrados.
”Não serão propostas alterações substancias no regime, mas sobretudo mudanças nos procedimentos”, adianta em entrevista à Renascença.
O coordenador da missão técnica diz que “um dos problemas que está diagnosticado é a falta de comunicação entre os tribunais criminais e os de família e menores". Neste contexto, defende que o Ministério Público tem de ter uma intervenção mais eficaz e sublinha: "Os alertas informáticos entre tribunais têm de ser generalizados."
Rui do Carmo diz que, ”em matéria de violência doméstica, o que sobretudo importa é dar mais eficácia aos procedimentos dos vários intervenientes no processo". Ainda assim, defende uma alteração legislativa no artigo que tipifica o crime de violência doméstica, "de forma a que sejam consideradas vítimas os menores que vivem em contextos de violência conjugal”.
A opinião é partilhada por Frederico Moyano Marques, jurista e membro da direção da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). Atualmente, refere o especialista, “a prática de atos violentos perante uma criança é apenas uma agravante do crime" quando deveria passar a ser um "crime autónomo”.
Quando se verifica uma suspensão provisória do processo ou até de arquivamento, diz o jurista, “o Tribunal de Família tende a interpretar que o superior interesse da criança passa sobretudo por manter os laços de relação com os pais, não dando a prioridade devida à questão da segurança da criança e da mãe”.
Já a deputada do Bloco de Esquerda Sandra Cunha argumenta que,” apesar de todas as alterações que foram feitas na lei para que haja mais comunicação entre os tribunais criminais e os de família, estes continuam a ignorar a informação sobre os processos de violência doméstica”.
É por esse motivo que o Bloco decidiu apresentar um projeto lei que previa a criação de tribunais especializados, em que se pretendia que a equipa que julga o crime de violência doméstica fosse a mesma que regula o poder parental. A ideia começou por nutrir a simpatia do Governo mas acabou por ser abandonada, face à contestação na bancada parlamentar.
Isabel Moreira (PS) foi uma das deputadas que se opôs frontalmente à ideia de um tribunal especializado, desde logo “pela sua inconstitucionalidade”. A deputada socialista diz que esta é “uma guerra que nos convoca a todos” mas refere que,” apesar dos números terríveis, é preciso dizer às vítimas que há casos bem sucedidos e lembrar que tem havido um investimento não só deste Governo mas também dos anteriores na rede de apoio às vítimas”.
Moreira defende que “não são necessárias alterações à lei e muito menos para agravar a pena". Em vez disso, argumenta que não se responde a um pico de morte com agravamentos de pena, porque "isso não resolve nada".
A bancada do PSD propõe o agravamento da pena máxima de cinco para seis anos, como forma de limitar o recurso ao mecanismo da suspensão provisória do processo.
Sandra Pereira explica que “a medida é instrumental" e admite que "o PSD tem toda a abertura para alterar as suas propostas”. Para a deputada social democrata, "é possível um consenso entre a direita e a esquerda em matéria de violência doméstica”.