Incêndios. “Uma séria ameaça à segurança nacional"
16-10-2017 - 10:18

Duarte Caldeira, ex-presidente da Liga dos Bombeiros e actual director do Centro de Estudos e Intervenção em Protecção Civil, diz à Renascença que “estamos a pagar anos e anos de incúria”.

Os incêndios que todos os anos ocorrem em Portugal, com consequências graves para floresta e as populações e com especial incidência este ano, dão a entender “estarmos na presença de uma séria ameaça à segurança nacional”.

Quem o diz é Duarte Caldeira, antigo presidente da Liga dos Bombeiros. Em entrevista à Renascença, considera que, “além dos comportamentos de risco, há sinais que indiciam uma acção concertada que tem de começar a ser equacionada”.

Segundo o director do Centro de Estudos e Intervenção em Protecção Civil, há indicadores que revelam que, quer “o incêndio desta noite” quer outros “começados em várias zonas do país”, tiveram ignições “que não podem estar coladas aos comportamentos de risco de realização de queimadas ou outro uso negligente”.

“É tempo de quem de direito se debruçar sobre a investigação deste tipo de incêndios”, apela.

Quanto a prolongar o período crítico de incêndios, Duarte Caldeira considera que se trata apenas de “uma medida política, que não resolve a substância das coisas”. No seu entender, a declaração de calamidade pública foi uma boa medida, pois permitiu “uma mobilização e agilização de meios, que em condições normais não seria possível”.

Mas o problema destes incêndios não está na resposta, destaca o antigo presidente da Liga de Bombeiros. “Como é possível pôr-se em causa a falta de meios quando estiveram seis mil bombeiros este fim-de-semana, a 15 de Outubro, um domingo?”, questiona.

“Não pode estar na explicação destes incêndios a falta de mobilização de elementos, de bombeiros”, frisa.

“É preciso que os portugueses não esqueçam”

Duarte Caldeira é peremptório: “os incêndios florestais não é apenas um problema dos meses de Julho, Agosto e Setembro, quando [as pessoas] estão na praia a ver ao longe o fumo dos incêndios”.

Defende, por isso, que é importante uma boa estratégia de comunicação por parte da Protecção Civil, que não se resuma a momentos pontuais – o que, na sua opinião, não tem acontecido – para que os portugueses não esqueçam que “o problema dos incêndios florestais é um problema de todos os dias, como qualquer risco em sistema de protecção civil”.

Nesta entrevista à Renascença, o director do Centro de Estudos e Intervenção em Protecção Civil sublinha ainda que o sistema de protecção civil não existe apenas para os incêndios.

“Temos um país com um elevado risco sísmico e também nesse domínio se coloca a necessidade de termos um sistema que responda pronta e eficazmente na presença de todos os riscos que afectam o território nacional”, recorda, para reforçar a ideia que de o problema dos incêndios florestais precisa de uma abordagem mais séria.

“Tudo passa por uma discussão, por uma reflexão, por uma proposta e por uma decisão definitiva de colocar na agenda esta problemática e de considera-la prioritária para o país”, conclui.

“Não há nenhum político isento de responsabilidades”

Ligado aos incêndios e ao sistema de protecção civil há muitos anos, Duarte Caldeira não tem dúvidas em afirmar que, nesta matéria e “sem entrar, até porque não me compete, na retórica política, que não há rigorosamente ninguém, nenhum político isento de responsabilidades na situação a que chegámos”.

“Há 24 anos que acompanho o sistema de protecção civil em Portugal e, em particular, os incêndios florestais, e temos vindo a verificar ao longo destes anos todos que cada vez há mais severidade no comportamento dos incêndios e, por consequência possibilidade de danos gravosos decorrentes dos mesmos”, começa por explicar.

“Acho que chegámos a um ponto em que estamos a pagar, de alguma maneira, colectivamente, a factura de anos e anos de incúria”, acusa, acrescentando que a situação actual “convida a uma grande serenidade, mas também a uma grande humildade”.

“Humildade, em primeiro lugar, dos membros do Governo, que devem ser exemplo e garante para que efectivamente a população não perca a confiança nas suas estruturas de resposta ao socorro, na medida em que elas são o último recurso para quem vive situações dramáticas”, defende.

Duarte Caldeira insiste, por isso, que “é necessário tomar medidas no tempo útil e tão rápido quanto possível, de modo a recuperar e devolver aos portugueses a segurança no sistema”.

“Para isso, é necessário, talvez pela primeira vez ao longo de 20 anos, colocar na agenda das prioridades da governação esta matéria” e não deixar, como tem acontecido nos outros anos, que a temática caia no esquecimento.

“Acho que este ano é completamente impossível que, quando passar a época de incêndios, esta matéria seja esquecida por qualquer português e, assim sendo, cabe aos governantes, aos decisores, aos membros dos órgãos de soberania, aos partidos políticos não permitir que volte outra vez para a fila do esquecimento, sendo substituída por outros problemas que, embora existam, este está demonstrado que é talvez dos mais graves com os quais o país se confronta”, sublinha.

As centenas de incêndios que deflagraram no domingo, o pior dia de fogos do ano segundo as autoridades, provocaram pelo menos 20 mortos e dezenas de feridos, além de terem obrigado a evacuar localidades, realojar populações e cortar o trânsito em dezenas de estradas.

O primeiro-ministro, António Costa, anunciou que o Governo assinou um despacho de calamidade pública, abrangendo todos os distritos a norte do Tejo, para assegurar a mobilização de mais meios, principalmente a disponibilidade dos bombeiros no combate aos incêndios.

Portugal acionou o Mecanismo Europeu de Proteção Civil e o protocolo com Marrocos, relativos à utilização de meios aéreos.

Esta é a segunda situação mais grave de incêndios com mortos este ano, depois de Pedrógão Grande, em Junho, um fogo que se alastrou a outros municípios e que provocou 64 mortos e mais de 200 feridos.