Em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público, o secretário de Estado da Juventude e do Desporto assume que "o Governo português tem apoiado a candidatura conjunta" e que Portugal, Espanha e Marrocos "fortes possibilidades" de ganhar a corrida, admitindo ainda que o escândalo de tráfico de seres humanos provocado pela academia Bsports criou "dano reputacional".
Nesta polémica sobre a viagem não anunciada ou não prevista do primeiro-ministro a Budapeste para a final da Liga Europa. Se foi a convite da UEFA qual era o problema de colocar o ponto na agenda?
O primeiro-ministro já deu, através do seu gabinete, toda a informação e explicação sobre a presença em Budapeste e não tenho mais nenhum comentário.
Foi uma deslocação diplomática para puxar pela candidatura portuguesa, espanhola e marroquina para o Mundial de Futebol de 2030?
Isso estará certamente nos motivos que a nota pública de esclarecimento que o gabinete deu. Não quero fazer mais nenhum comentário.
Quais são as reais possibilidades de esta candidatura sair vencedora e que trabalho é que está a ser feito pelos três governos?
O Governo português tem apoiado a candidatura conjunta ao Mundial 2030, que tem fortes possibilidades de ser vitoriosa: tem mérito desportivo e social, une dois continentes, três países e tem mensagem de paz e solidariedade. Mas as entidades responsáveis pela candidatura são as respetivas federações e são elas que devem dizer qual é o ponto da situação da candidatura conjunta.
Poderemos ver o primeiro-ministro noutras ocasiões a puxar por esta candidatura, de forma mais transparente?
Isso tem sido feito pelo Governo em diversos momentos. Se for o organizador, isso representa um impacto muito positivo no plano económico, social e desportivo e o país irá ganhar imensamente com isso. Por isso, compete ao Governo prestar todo o apoio dentro daquilo que é a sua possibilidade.
A situação na academia Bsports não poderá prejudicar a candidatura de Portugal ao Mundial de 2030?
Conto que não, que não afetará minimamente a nossa imagem externa. Portugal tem sido uma referência internacional no que diz respeito ao acolhimento e integração de imigrantes e essa é a imagem que prevalece no plano internacional. É evidente que as notícias também chegaram a todos os países e ao desporto internacional. Há aqui um dano reputacional, mas julgo não ser o suficiente para causar uma mazela no processo da candidatura.
Sobre as novas regras para a prevenção e combate à violência no desporto aprovadas no Parlamento: qual é a fiscalização tão abrangente que existe para impedir que um adepto que não possa entrar num recinto desportivo não entre de facto?
O pacote de medidas foi aprovado em votação final global, há cerca de duas semanas, no Parlamento. Na lei em vigor, o adepto fica impedido de assistir aos jogos na modalidade no recinto onde cometeu a infração; a medida agora é reforçada: o adepto ficava impedido de assistir aos jogos em qualquer recinto, em qualquer modalidade.
Quer a Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto, como as autoridades policiais têm o ficheiro dos adeptos interditos de frequentar recintos desportivos, e sabem e têm forma de controlar as entradas. Por isso é que há notícias de que x adeptos foram detidos porque estavam impedidos de frequentar recintos desportivos e cometeram um crime de desobediência. Isso prova que essa verificação, acompanhamento e vigilância é feita com o apoio da autoridade.
Não é costume pedir a identificação à entrada dos estádios…
Todos os estádios da primeira e segunda liga têm sistemas de videovigilância que funcionam antes do jogo começar, há elementos das forças de autoridade a acompanhar as entradas que sabem quem são as os adeptos em causa.
Há muitas sanções mas os clubes não deveriam ser penalizados fiscalmente?
Uma das áreas onde tivemos de reforçar foi a videovigilância porque encontramos alguns episódios de violência nos estádios e pavilhões em que os clubes organizadores não forneceram as imagens de videovigilância. Porque a coima em vigor não é dissuasora. Aumentámos drasticamente para as centenas de milhares de euros a coima mínima para o clube que não fornece em bom estado ou não forneça mesmo as imagens de videovigilância. Muitos casos que ocorreram nos recintos desportivos teriam sido sancionados devidamente pela justiça caso as imagens de videovigilância estivessem em perfeito estado ou até tivessem sido fornecidas.
Depois do caso Marega, se um grupo de adeptos chamar "macaco" a um jogador, em termos práticos, o que lhe acontece com esta lei?
Do lado da prevenção, está a decorrer a maior campanha de sempre, de sensibilização nos jogos da formação, aos adeptos, que são quase todos familiares dos jovens que estão dentro do recinto desportivo. A videovigilância vai permitir actuar de forma individual num adepto. Os acórdãos dos tribunais sobre os casos de racismo no desporto em Portugal têm um denominador comum.
A dificuldade de identificar o autor do crime...
Exatamente. Portanto, investimos muito no reforço da videovigilância nos recintos desportivos dos jogos de risco elevado ou das competições profissionais da primeira e segunda Liga de Futebol, mas há outros jogos de risco elevado e modalidades.
Mantemos a obrigatoriedade da videovigilância, contamos com a evolução da compreensão do fenómeno desportivo por parte dos agentes da autoridade que estão nos recintos desportivos e cujos relatórios são essenciais ou a sua actuação na hora para identificar os protagonistas dos insultos racistas, e também dos representantes da competição, por exemplo, os delegados da Liga ou das federações presentes.
Tem a pasta da Juventude e a tutela da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) está com a ministra-adjunta. O total da despesa do Estado com a jornada é de 30 milhões de euros. Não vai derrapar, já derrapou, em que estado é que está?
A JMJ está no Ministério dos Assuntos Parlamentares, mas quem a tem é a ministra e não está delegada no secretário de Estado da Juventude. Para não deixar a pergunta sem resposta, acredito que se a verba um dia vier a ser ultrapassada, obviamente que competirá ao Governo dar essa informação na primeira oportunidade.
E não há preocupação por parte do Governo em relação às greves e à tensão social e contestação que está à vista para esses dias da Jornada Mundial da Juventude e anunciadas em vários setores. Há algum plano?
O país compreende a importância e o impacto da Jornada Mundial da Juventude e apesar de alguns setores estarem a programar alguma contestação para altura da jornada e o período anterior à jornada, acredito que a JMJ decorrerá com toda a normalidade e que será um grande momento de afirmação internacional do nosso país e será um momento que contribuirá muito para a reputação de Portugal.
Tem a pasta da Juventude e tem estado envolvido na discussão do novo estatuto das ordens profissionais. Que garantias podem ser dadas aos jovens estagiários e o que responde à contestação dos diversos bastonário e ordens, incluindo advogados e engenheiros?
O país não podia adiar mais a correção desta injustiça que se tem perpetuado de geração para geração e quando a proposta de lei do Governo obriga à remuneração destes profissionais é um salto, diria até civilizacional de acabar com o aproveitamento, até uma escravidão, de ver jovens submetidos a estágios, alguns com duração superior a um ano, um ano e meio, dois anos sem receber qualquer euro pela prestação do seu trabalho.
É um grande avanço e um ganho para as novas gerações. Quando se dão estas mudanças e transformações, há sempre o clamor dos mais céticos. Mas queremos acreditar que isto provocará uma grande mudança e que daqui a poucos anos chegaremos à conclusão que este foi dos maiores contributos para as novas gerações.
O Governo não receia que o Presidente da República, quando receber o diploma em Belém, seja sensível às críticas dos bastonários?
Há um enquadramento legal e político: a lei-quadro já tinha sido aprovada, tinha regras orientadoras das alterações aos estatutos das ordens profissionais.
E impunha o pagamento dos estágios...
Há o enquadramento político de estar no programa do Governo, como também é um compromisso no âmbito do PRR, portanto, estamos a falar de uma legitimidade.
E já era uma exigência da Troika.
Sim, em 2011, também ficou inscrito como uma exigência da Troika. É altura que o Governo assuma como uma reforma. As alterações ao estatuto das ordens profissionais não são meras alterações técnicas; é uma reforma política assumida pelo Governo como transformadora. Não só porque reduz os tempos dos estágios para quase todas as áreas, determina a remuneração dos estágios profissionais. Isto também tem impacto positivo na concorrência e na atração de investimento estrangeiro para Portugal porque muitas empresas chegam nosso país, e vêem-se confrontadas com a escassez de mão de obra qualificada em determinados sectores. Não se fica por uma mera alteração legislativa; é uma reforma política.