Já foi líder parlamentar, eurodeputado e secretário-geral do PS. Francisco Assis é agora presidente do Conselho Económico e Social (CES) e continua a ser uma voz do centro-esquerda dentro de um PS que, mais tarde ou mais cedo, terá uma discussão ideológica e de liderança da qual não se coloca de fora.
Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e jornal “Público”, Francisco Assis admite que pode haver fatores que conduzam a eleições legislativas antecipadas e não fecha a porta a entrar na corrida à liderança do PS, quando António Costa deixar o cargo de secretário-geral socialista.
Que balanço faz das eleições presidenciais?
Há uma vitória clara do atual Presidente da República, por um valor muito expressivo, o que significa que houve um consenso alargado em torno da candidatura. Eu apoiei a dra. Ana Gomes e acho que foi muito importante, em primeiro lugar, que ela se tivesse apresentado em representação de um espaço que de outro modo ficaria sem candidato, a esquerda democrática, e, em segundo lugar, que tivesse ficado à frente do candidato de extrema-direita.
Há um elemento que não podemos ignorar: a boa votação do candidato do Chega. É uma votação que introduz dados novos e inquietantes na política portuguesa e que merecem análise profunda.
Há uma votação muito má quer do candidato do Partido Comunista quer da candidata do Bloco. Faço leituras diferentes: acho que no Partido Comunista estamos a assistir a um processo de degradação eleitoral progressiva. O PCP teve um bom candidato, que fez uma boa campanha, e apesar disso, em número de votos, teve menos votos do que há cinco anos. A meu ver, isso corresponde a um processo de declínio do PCP, que não sei se é irreversível, mas tem vindo a manifestar-se.
Acho que a candidatura de Marisa Matias acabou por ser bastante prejudicada pela candidatura de Ana Gomes e a ideia de que era preciso alguma concentração de votos à esquerda para que Ana Gomes tivesse mais votos que André Ventura acabou por prejudicar a candidatura. Mas julgo que o Bloco numas legislativas, provavelmente, terá uma votação bastante superior. Depois, há um candidato liberal que fez uma campanha bastante interessante e um candidato que representa uma voz popular, que é a segunda vez que se candidata e que introduz um elemento interessante.
Pedro Nuno Santos escreveu no Público que, “ao optar por não marcar presença no debate político das presidenciais, o PS contribuiu, involuntariamente, para a afirmação do candidato da extrema-direita. O facto de Ana Gomes ter ficado só um ponto à frente de Ventura é uma derrota da candidata ou é uma derrota do PS?
Não acho que seja nem uma coisa nem outra. A candidata revelou uma extraordinária coragem ao apresentar-se. Ela sabia de antemão que não teria possibilidades de ganhar. E teve coragem de avançar mesmo sabendo que não contava com o apoio do seu partido e fê-lo em nome dos valores fundamentais da República e do nosso modelo democrático. Foi um gesto de afirmação de um grande compromisso cívico que ficará registado para a posteridade.
O PS optou por não apoiar ninguém, o que também não foi bem assim como sabemos. Praticamente, toda a estrutura dirigente, a nomenclatura do partido, uns de forma muito clara através de cartas a manifestar o apoio a Marcelo Rebelo de Sousa e outros indiciaram sempre esse apoio e isso acabou por ter repercussão eleitoral.
É possível ler destes resultados e destes alinhamentos da nomenclatura consequências políticas para o futuro ou este foi um episódio que está encerrado?
Do meu ponto de vista, não é possível projetar daqui nada para o futuro. O PS não tem nenhum processo de escolha de um novo líder em curso, quando ocorrer uma discussão dessa natureza já terá decorrido muito tempo em relação a estas eleições.
Mas quando António Costa sair, todos sabemos que no dia seguinte Pedro Nuno Santos apresenta a sua candidatura a secretário-geral. Francisco Assis também vai candidatar-se? Já o fez uma vez, contra António José Seguro, com o apoio de Costa.
Pelos vistos, todos sabemos que o dr. Pedro Nuno Santos se vai candidatar. Eu próprio não sei se o vou fazer ou não vou fazer.
Mas não reflete sobre isso? Estas coisas em políticas refletem-se uns anos antes...
Sim, as coisas devem-se refletir e depois sabemos as coisas que se devem dizer e aquelas que não se devem dizer. Há coisas que ditas num momento inapropriado podem ter o efeito de criar alguma instabilidade indevida e sobretudo num momento como o que estamos a atravessar. Mesmo que eu o pensasse, neste momento não o diria. Mas não é uma questão que absorva o meu pensamento.
Mas não exclui que isso possa vir a acontecer?
Diria que não é uma coisa muito provável. Fiz um percurso nos últimos anos muito autónomo e independente. Fui candidato a secretário-geral há muitos anos, tenho algum afastamento da vida partidária. Nas questões essenciais reconheço-me na orientação do Partido Socialista, umas vezes tenho convergências, outras vezes tenho divergências em relação às opções que são tomadas. Procuro afirmá-las. Creio que ninguém desconhece as minhas posições. Esse é o dever de um político.
Vamos lá a ver: muitas vezes um político deve ter as reservas, como eu dizia, em relação ao que pensa fazer daqui a três, quatro anos... Mas em relação àquilo que se vai passando a cada momento tem obrigação de tomar posição e eu sempre tomei posição. Por isso, acabei por fazer um percurso algo solitário nos últimos anos... emocionalmente nunca me afastei do Partido Socialista e sinto que a maior parte dos militantes também não se afastaram de mim.
Houve momentos de incompreensão, fui muito atacado, há muitas pessoas que me atacaram e agora reaproximaram-se e até apreciaram o meu envolvimento na candidatura da dra. Ana Gomes. Reconheço-me no essencial no percurso histórico do PS e tenho como grande referência política o fundador do PS, o dr. Mário Soares.
Não posso agora estar a dizer que, de hoje para amanhã, não irei participar mais ativamente na vida do PS. Se me pergunta se vou participar mais ativamente, pode ser que isso aconteça. Mas não tenho a certeza. Não tenho inquietação em relação a essas coisas e, sobretudo, nunca achei que tivesse nascido para ser isto ou aquilo na vida. Nunca me autoconsiderei um predestinado para o exercício de uma função política.
Há um debate ideológico no PS que o ministro Pedro Nuno Santos está a querer estimular, mas a direção do PS entende que não é este o momento. Acha que esse debate ideológico deve ser feito? De que lado se coloca?
As minhas posições são por demais conhecidas. Sou um homem de esquerda, moderado, reconheço-me na tradição histórica do liberalismo político, do republicanismo. Sempre procurei valorizar a ligação entre a liberdade e a igualdade.
Entendo que o espaço da esquerda democrática é vasto, integra pessoas com sensibilidades diferentes. Ainda agora na campanha das presidenciais estive com pessoas do Livre, que considero que fazem parte da esquerda democrática, com pessoas do PAN, que considero que fazem parte da esquerda democrática.
Já ouvi pessoas do Bloco declararem-se social-democratas e acho que no Bloco há alguns sectores que se podem integrar nesse espaço. A minha grande fronteira é em relação ao marxismo-leninismo, essa é a minha rutura absoluta, porque considero que todos os sistemas inspirados no marxismo-leninismo representaram uma profunda regressão histórica.
Mas não vai apoiar, de certeza, Pedro Nuno Santos?
Eu não tenho certezas nenhumas neste momento, porque não sei o que vai acontecer daqui a uns anos. No momento em que se colocar essa questão, eu e todos os demais terão que proceder a uma avaliação.
Eu no PS nunca criei grupos. Fui presidente da Federação do Porto e nunca criei um grupo a partir do Porto. Confesso que tenho alguma dificuldade nesse tipo de vida partidária, a criar grupos, construir pequenos exércitos. É uma característica que tenho e que porventura me pode impedir - na altura impediu - de desempenhar determinadas funções.
Mas sou como sou, não vou mudar agora. Mas essa discussão far-se-á na altura própria. Espero que se faça com base numa divergência não apenas de pessoas e que haja um debate ao nível de projetos, de ideias, de perspetivas para o país, do que deve ser o nosso modelo económico, de desenvolvimento, da nossa posição na Europa...
E não prevê nenhuma rutura no PS a propósito desse debate?
Espero que não. O PS é um partido onde devem caber personalidades com pensamentos diferentes em relação a algumas matérias. Temos em comum referências filosóficas comuns fundamentais e depois é natural que tenhamos algumas divergências.
Não é possível que um partido destes seja um partido onde todos pensam da mesma forma em relação a tudo. É bom que as divergências se manifestem e depois não haja uma lógica de exclusão de quem fica derrotado num congresso. Isso é que eu acho que é um erro. Não tenho uma visão de direções monolíticas. Há uma linha de orientação que prevalecerá, mas devemos todos fazer um esforço para integrar na direção do partido ou num eventual governo personalidades que pensam de maneira ligeiramente distinta uns dos outros, mas se reconhecem no essencial.
Do que nós precisamos é de políticos com autonomia de pensamento e com autonomia de ação política, que não estejam dependentes de coisa nenhuma, que não tenham como preocupação fundamental agradar aos chefes e construir as suas carreiras políticas percebendo sempre para que lado sopra o vento.
E há poucos políticos assim?
Há muitos, como todos nós sabemos, em todos os lados. Não sei se são a maioria, por vezes até acredito que sejam. É evidente que há muitos políticos assim e esses são os maus políticos. Falou-se aqui do dr. Pedro Nuno Santos. Há uma coisa que eu lhe reconheço, independentemente das divergências que possamos ter. É a sua coragem política. Ele é uma personalidade política autónoma. Quando tem que divergir, diverge. Ele é membro do Governo e tomou esta posição. Não estou a imaginar muitas pessoas no lugar dele que tomassem a posição que ele tomou. É evidente uma personalidade política com autonomia de pensamento, na ação, e com coragem, que é um elemento fundamental na vida política. Não estou com isto a dizer que o vou apoiar ou deixar de apoiar. Mas é uma pessoa no PS por quem tenho respeito.
Outra pessoa da geração dele por quem eu tenho um extraordinário respeito: o dr. Sérgio Sousa Pinto, que é uma das grandes figuras da nossa vida política nacional. Provavelmente, hoje, no PS, é a personalidade com maior cultura política. É um homem com uma inteligência excecional e tem sido um homem de liberdade absoluta. Quando se fala em eventuais líderes para o PS no futuro eu nunca percebo porque é que não se fala no dr. Sérgio Sousa Pinto.
Sérgio Sousa Pinto autoexcluiu-se e falou em Francisco Assis...
Já nem me lembrava disso (risos) e não estou a dizer isto para retribuir (risos). Estou a dizer o que penso. É uma pessoa com perspetiva do país, da Europa, com pensamento político e coragem política. Como há outras personalidades. O dr. Fernando Medina tem sido referido, a dra. Ana Catarina tem sido referida, o dr. José Luís Carneiro é secretário-geral adjunto e é da mesma geração... Há um conjunto de personalidades que podem aparecer como candidatos à liderança do PS.
Não teme que venha a acontecer uma crise política provocada pela crise económica e crise pandémica. Acha que o próximo Orçamento consegue ser aprovado?
O próximo Orçamento ainda vai ser discutido sob o efeito da crise pandémica, no Outono não teremos o problema resolvido nem de longe nem de perto. Não sei se isso vai ter repercussões no plano parlamentar, mas acredito que não sejam as razões económicas e sociais a determinar uma eventual crise política que possa acontecer.
Pode até haver o entendimento de que a melhor maneira de superar alguns impasses que existem no país seja fazer eleições no final desta crise e eleger um novo Parlamento. Não acho que o fator económico e social, só por si, vá provocar uma crise política, mas admito que existam outros fatores que possam levar a isso.
Nomeadamente de estratégia política?
Há sempre uma componente de estratégia política nestas coisas.