De uma maneira ou de outra a lei tem que mudar. O presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais defende que Portugal vai atrasar-se "mais alguns anos" se não for feita uma revisão do regime sucessório. Ouvido no programa "Da Capa à Contracapa" da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, Tiago Oliveira diz já ter proposto à tutela a partilha obrigatória de terrenos.
"O regime sucessório ainda é de 1929. Não é obrigatório fazer uma partilha. Eu posso continuar indefinidamente a ser co-proprietário com conjunto de 30, 40 ou 50 primos de 1000 metros quadrados. Hoje em dia, quando alguém morre, tem 90 dias para fazer o processo de habilitação de herdeiros, mas não tem prazo para fazer a partilha. E a partilha tem que ter uma data obrigatória após o qual propomos que o Estado tome posse, coloque em hasta pública, venda o património e distribua pelos herdeiros", propõe o engenheiro florestal que lidera a agência pública que tem a competência de conduzir as estratégias para aumentar a proteção das pessoas e diminuir o impacto dos fogos rurais.
Tiago Oliveira diz que o processo de transmissão de bens que tem que ser trabalhado politicamente com envolvimento dos deputados para que melhor se pense o território
"e verem quais são os obstáculos à gestão florestal que estão a aumentar a probabilidade de nós termos aqui um acidente cada vez maior". Mas há uma carta na manga da AGIF de forma a pressionar o poder político. A Agência está prestes a lançar o Programa Nacional de Ação onde a medida não só está identificada como elenca também as entidades responsáveis pela sua concretização.
"Este programa de ação vai obrigar as pessoas a sentarem-se à mesa e a resolver questões. Por exemplo, um dos projetos que existe no programa de ação no capítulo da avaliação do território é a revisão do regime sucessório. O responsável é a Assembleia da República. Este programa de ação identifica quem é o responsável pela medida, quem é que apoia a questão da medida - certamente será a Secretaria de Estado da Justiça por causa do Instituto do Registo e Notariado - bem como a capacidade do orçamento associado. Daqui a um ano vamos ver se foi feito ou não foi feita a revisão do regime sucessório. Se não for feita, é mais um conjunto de anos atrasados. O país tem que enfrentar este problema com muita seriedade, com credibilidade científica e técnica. E com base em diálogo, suportado tecnicamente, os políticos têm que fazer aquilo tem que ser feito", afirma Tiago Oliveira, líder da AGIF, entidade pública que tem também apoiado o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais com mais de 30 peritos ao dispor da Autoridade Nacional de Proteção Civil.
Seis mil aldeias em zonas de grande perigo
O desafio deste ano estende-se à Proteção Civil depois do falhanço que deteta em recém-criados programas de proteção de populações. " O ano passado, com a pandemia - e este ano pelos vistos vamos pelo mesmo caminho - o programa Aldeia Segura Pessoas Seguras sofreu um revés. Na Proteção Civil estão a imaginar alternativas para que este programa que prepara as aldeias mais expostas ao risco de incêndio possa ser implementado", revela Tiago Oliveira que adianta que houve uma taxa muito baixa de realização das iniciativas, circunscritas a apenas seis ou sete povoados ou freguesias.
"Sabemos que o número de freguesias que têm que ser tratadas, envolvidas e participadas tem que aumentar muito porque há um conjunto de aldeias expostas ao risco de incêndio e tem que haver antes um trabalho de preparação. É uma pergunta que tem que colocar à Proteção Civil", responde o líder da AGIF cujo trabalho passa pela participação no Núcleo de Apoio à Decisão para Análise de Incêndios Rurais da Autoridade Nacional de Proteção Civil, sobretudo com análise estratégica durante os incêndios rurais complexos.
Tiago Oliveira cita dados da Direção Geral do Território que diz que há 6 mil aldeias em zonas de grande perigo num lote de 20 mil expostas ao risco de incêndio. Face a esse cenário, o engenheiro florestal que lidera a AGIF lembra que os municípios são as autoridades locais de Proteção Civil.
"São esses municípios e neste imbrincado de relações de Estado central e local tem que se encontrar um equilíbrio para que o programa ganhe mais tração e também participe no processo de redução das ignições e permita de facto que as aldeias estejam preparadas para quando os grandes fogos acontecerem, ser possível proteger as pessoas ou no limite ser possível evacuá-las a tempo", alerta o presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, convidado do programa da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, onde se debateu o livro "Incêndios rurais em Portugal" da autoria de António Bento-Gonçalves, professor da Universidade do Minho e Presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos.