As patentes existem para incentivar a inovação e a investigação necessária. Na área farmacêutica são frequentemente precisos muitos anos para que uma empresa descubra um medicamento novo, algo que é incerto à partida. Nas vacinas ainda mais. Sem a garantia de que, durante alguns anos, as empresas que inovam ficarão protegidas da concorrência no produto que lograram inventar, certamente que seria muito mais lento o progresso na área farmacêutica. Felizmente, há concorrência mundial na produção de vacinas.
J. Biden surpreendeu ao propor uma suspensão das patentes das vacinas contra o convid-19. Mas tinha feito uma proposta nesse sentido em junho do ano passado, quando candidato à eleição presidencial. A proposta revela que Washington percebeu que a saúde dos americanos só fica defendida da pandemia quando esta for eliminada em todo o mundo. E Biden quis também dar um sinal de solidariedade para com os países pobres, muitos dos quais não têm acesso a vacinas contra o covid-19.
A situação desses países agravou-se quando a Índia, grande produtora de vacinas, deixou de as poder exportar, dada a situação trágica que se vive naquele país, onde só 2% da população foi vacinada. Ora a UE produziu cerca de 400 milhões de vacinas e exportou perto de metade, boa parte para países pobres, mas também para os EUA e o Canadá. Até agora os EUA nem uma vacina exportaram. Por isso Merkel, que recusa suspender patentes de vacinas, respondeu ao desafio de Biden apelando a que os americanos passem a exportar, uma vez que já vacinaram um terço da sua população.
A suspensão das patentes levaria longos meses a negociar, no quadro da Organização Mundial de Comércio. Mas o envio de vacinas para os países mais desprotegido é urgente – a suspensão das patentes não é uma solução prática. Antes do anúncio de Biden, a Presidente da Comissão Europeia tinha dito ao “New York Times” não ser uma entusiasta dessa suspensão. E no Porto Ursula von der Leyen acentuou que o problema é a falta de produção, que poderia ser ainda mais entravada por uma suspensão das patentes.
A explicação mais clara e convincente da tese de que esta não é a via adequada foi apresentada por uma investigadora portuguesa, Ana Santos Rutschman, especialista em propriedade intelectual e professora na Universidade de Saint Louis, EUA. A investigadora, que foi conselheira de Biden na campanha eleitoral, publicou num “site” de saúde um artigo com o título “A Isenção de Patentes nas Vacinas da Covid-19: a Ferramenta Errada para o Objetivo Certo”.
Numa entrevista à jornalista Teresa Sofia Serafim, no “Público” de sábado passado, Ana Santos Rutschman explica: “A isenção (da patente) permite o uso de materiais e processos patenteados sem autorização do detentor da patente. Com outro tipo de medicamentos, esta medida pode chegar para se produzir um genérico, mas as vacinas são um tipo diferente de medicamento, em que muitos dos aspetos relativos à manufatura não são revelados através da patente (...) A ferramenta certa para aumentar a produção de vacinas são os contratos” com as farmacêuticas. “Isto é algo que pode ser alterado imediatamente, criando obrigações contratuais de fornecimento de uma percentagem de doses existentes de vacinas a países em vias de desenvolvimento”.
Por isso a eventual suspensão das patentes de vacinas não ocupou muito tempo na cimeira da UE no Porto. Dali saíram metas concretas sobre o “pilar social” da UE, o chamado “compromisso social do Porto”. Mas não são obrigações jurídicas - trata-se de meras intenções. E nota-se uma omissão grave: não há uma palavra sobre a reforma das regras orçamentais relacionadas com o euro, regras que – se voltarem a ser aplicadas sem alterações - podem pôr em causa as melhores intenções sociais, nomeadamente em países como Portugal.
É curioso que esta cimeira social no Porto tenha coincidido com o que se passou e passa em Odemira e noutras paragens do Alentejo, Ribatejo e Algarve. A opinião pública portuguesa deu-se conta de que, afinal, o nosso país tem mesmo um sério problema de direitos humanos com uma imigração ilegal muito próxima da escravatura. Somo um país de brandos costumes e toleramos esta vergonha...
Uma palavra final sobre uma outra cimeira, também no Porto, esta entre a UE e a Índia. Faz todo o sentido desenvolver as relações económicas com a Índia, até para contrabalançar as relações, porventura demasiadas, que já temos com a China. Só espero que no final das negociações para um eventual acordo de comércio UE-Índia, se chegarem a bom porto, naquele país não permaneça no poder o partido Janata e o seu atual líder, o primeiro-ministro Mori. É que eles têm levado a maior democracia do mundo a tornar-se menos democrática, instaurando um nacionalismo hindu que ofende a liberdade religiosa, em particular dos muçulmanos.