Vitalino Canas, ex-secretário de Estado socialista, defende que a composição do órgão fiscalizador dos serviços de informação deve ser alterada, de forma a garantir mais independência.
O também ex-deputado entende que o Conselho de Fiscalização do SIS - Serviço de Informações de Segurança - e do SIED - Serviço de Informações Estratégicas de Defesa - deve incluir um magistrado e "evitar que sejam pessoas que desempenharam funções políticas há pouco tempo".
"Não estou a pôr em causa a independência de ninguém que esteja a exercer funções no Conselho de Fiscalização, mas admito que, até por uma questão de imagem de tranquilidade pública, poderia ser interessante olhar para os critérios que devem ser preenchidos pelas pessoas", afirmou na edição desta semana do programa "Em Nome da Lei".
"[Seria] muito mais tranquilizador para a opinião pública (...) garantir quer o SIS não irá proceder desta forma no futuro."
Neste momento, fazem parte do Conselho de Fiscalização dos Órgãos de Informação da República, dois membros do anterior governo de António Costa: a ex-ministra da Administração Interna, Cosntança Urbano de Sousa, e o ex-secretário de Estado da Justiça, Mário Belo Morgado.
Canas discorda ainda da estratégia política que tem sido seguida por António Costa em relação à intervenção do SIS sobre o caso do computador portátil usado pelo ex-adjunto de Galamba, Frederico Pinheiro.
O socialista salienta que, "mesmo que exista alguém que diga que é uma situação de fronteira, de dúvida", seria "muito mais tranquilizador para a opinião pública" esclarecer as questões de legitimidade do caso - desde a tomada de decisão à sua operacionalização - e "garantir que o SIS não irá proceder desta forma no futuro".
Para isso, o constitucionalista realça que o primeiro-ministro deveria reconhecer os erros, por se tratar de uma matéria de grande preocupação na sociedade.
Ação do SIS foi "ilegal". Recuperação do computador era caso de polícia
No entanto, Vitalino Canas considera adequado que o Governo tenha reportado aos serviços de informação uma ameaça a uma infraestrutura crítica. Ainda assim, defende que a atuação expectável deveria ter assentado na coordenação entre os serviços de segurança e de informação.
"Seria natural que quem recebesse a notícia, neste caso o SIRP, contactasse com o outro braço que cuida da nossa segurança interna, que é o Sistema de Segurança Interna - e que tem sob a sua coordenação as forças de segurança - e que entre si, de uma forma muito expedita, verificassem o que estava a acontecer e que tipo de intervenção é que deveria ser necessária."
Para o socialista, tratando-se de uma abordagem ao ex-adjunto do ministro das Infraestruturas, no sentido de solicitar a devolução de um computador do Estado, a conclusão não poderia ser outra: "Os meios mais adequados a serem empregues são, obviamente, os órgãos de polícia".
Já Bacelar Gouveia, especialista em segurança, também não tem a menor dúvida de que a deslocação do SIS a casa de Frederico Pinheiro foi ilegal, porque a lei impede os serviços de informação de intervirem como órgãos de polícia.
E sintetiza: "É uma ingerência no espaço privado; um telefonema feito às 23h00, [com] uma conversa 'semi-ameaçadora'; uma identificação 'semi-forçada'; a recuperação de um computador que foi entregue, porque 'é melhor ser a bem do que ser a mal'; e tudo isso é, obviamente, uma matéria policial, não dos serviços de informações".
Independentemente de a forma de atuação violar a lei orgânica dos serviços de informação da República, Bacelar Gouveia diz que a necessidade de intervenção do SIS invocada lhe parece "surpreendente", uma vez que, no seu entender, não havia riscos de "rutura de segurança".
"É uma ingerência no espaço privado; um telefonema feito [com] uma conversa 'semi-ameaçadora'; a recuperação de um computador que foi entregue, porque 'é melhor ser a bem do que ser a mal'."
"Quais eram as informações que estavam para ser comprometidas? [Se] a pessoa já tinha essas informações antes, o que é que houve de novo naquela noite para dizer que houve uma quebra de segurança? Isso também não consegui perceber."
Informalidade na exoneração de adjunto 'tramou' Galamba
No sentido inverso, a advogada Elsa Veloso entende que o principal erro no "Galambagate" se prende, essencialmente, com a informalidade dos procedimentos, desde logo na exoneração do antigo adjunto, sobre a qual "o senhor ministro deveria ter feito uma comunicação inequívoca".
"Significa que deveria ter explicado ao doutor Frederico [Pinheiro] que ele estava exonerado a partir daquele dia e daquela hora, que não havia mais confiança política, que seria publicado um despacho de exoneração que retroagiria àquele dia em concreto."
A especialista em privacidade e proteção de dados entende que, a partir desse momento, o ex-adjunto de Galamba não podia ter entrado nas instalações do Ministério das Infraestruturas, nem ter tido acesso ao computador onde trabalhava.
"A partir do momento que alguém é exonerado, deixa de ter acesso ao seu email, às instalações e aos computadores. O computador é um ativo do Estado, não é um ativo pessoal. Ele é entregue a alguém que, enquanto tiver confiança política e estiver no desempenho da sua função, pode utilizar aquele equipamento que é do Estado. O equipamento não é dele."
Questionada sobre o impedimento de acesso a informações que poderão ser determinantes para a defesa de Frederico Pinheiro, quer em sede de Comissão Parlamentar de Inquérito, quer em eventual processo judicial, a advogada salienta que esse bloqueio em nada iria ferir quaisquer direitos do ex-adjunto.
"A partir do momento que alguém é exonerado, deixa de ter acesso ao seu email, às instalações e aos computadores. O computador é um ativo do Estado, não é um ativo pessoal."
Tratando-se de propriedade estatal, Elsa Veloso sublinha, contudo, que, dentro do direto à privacidade e proteção de dados, Frederico Pinheiro poderia aceder ao computador portátil "na presença de técnicos informáticos", de maneira a "retirar a informação pessoal" contida no aparelho.