Putin e ainda mais Xi Jinping gostam de falar no que eles consideram ser o declínio do Ocidente. Para estes autocratas o futuro não está nas democracias liberais, mas nos regimes autoritários como os que vigoram na Rússia e na China.
Recordo-me de, alguns anos antes do 25 de Abril de 1974, uma importante figura do regime salazarista ter defendido, na minha frente, que a modernidade estava com os regimes como o que então entre nós vigorava. A democracia representativa, parlamentar, seria uma espécie de relíquia obsoleta do século XIX. As pretensões de modernidade dos líderes da China e da Rússia não andam longe daquela perspectiva salazarista.
Entre as duas guerras mundiais as democracias liberais sofreram rudes golpes. Os totalitarismos nazi e comunista, bem como o autoritarismo fascista, pareciam dominar o horizonte político europeu. A segunda guerra mundial ditaria o fim do nazismo e do fascismo. E o comunismo soviético colapsou 45 anos depois. As democracias liberais regressaram em força.
Na primeira década do séc. XXI essas democracias multiplicaram-se no mundo. Depois, inverteram esse progresso, dando lugar a um surto de regimes autoritários, pouco amigos das liberdades.
Agora, a invasão da Ucrânia teve da parte das democracias uma enérgica resposta, que Putin manifestamente não esperava. Mas com o passar do tempo será que as opiniões públicas das democracias irão manter-se firmes, apesar dos sacrifícios que a guerra e também as sanções implicam?
Se não houvesse liberdade de opinião nas democracias seria mais fácil calar eventuais queixas e protestos. É o que Putin faz na Rússia, mas o valor da liberdade não é felizmente negociável na Europa ocidental.
Recorde-se o exemplo de Churchill e dos britânicos. Nos primeiros anos da II Guerra Mundial, Londres e muitas outras cidades do Reino Unido foram quase diariamente alvos de ataques aéreos alemães. Mas a Câmara dos Comuns não suspendeu o seu funcionamento, nem a liberdade de expressão foi atingida na Grã-Bretanha.
Esperemos que a Europa se mantenha firme face aos autocratas. Na próxima coluna abordarei a frequente acusação de as democracias liberais serem, em regra, países capitalistas – e o capitalismo ser visto por muitos como uma espécie de encarnação do Mal.