Como evitar que se repita um escândalo como o que atinge atualmente a Igreja americana? Os bispos discordam sobre o melhor caminho a seguir.
O mais recente escândalo centra-se no ex-cardeal McCarrick, arcebispo emérito de Washington, que durante anos abusou de seminaristas e jovens padres, sob a sua autoridade. Sabe-se agora que muitas pessoas, incluindo outros padres e bispos, tinham conhecimento das atividades sexuais do bispo, e que duas das suas anteriores dioceses tinham pago indemnizações a homens de quem ele tinha abusado, mas que ainda assim ele nunca foi investigado ou impedido de exercer o seu ministério, chegando mesmo a ocupar um dos cargos mais elevados do país.
McCarrick apenas foi suspenso quando surgiu a acusação de que tinha abusado de um menor de idade. Foi nessa altura que se souberam das outras revelações sobre o seu passado. O Papa ordenou-o a viver em reclusão e oração, suspendendo-o enquanto decorre uma investigação e o próprio arcebispo tomou a iniciativa de pedir a resignação do Colégio dos Cardeais, que foi aceite.
O escândalo provocou uma crise de confiança na Igreja americana e são muitos os bispos que estão a concordar que devem ser tomadas medidas para que a situação não se possa repetir. Um dos problemas é que a Carta de Dallas, que foi apresentado em 2002 e que elenca os procedimentos a tomar em caso de suspeitas de abusos praticados por padres ou diáconos, não se aplica a bispos. Na altura em que a carta foi apresentada o bispo que deu a cara por ela foi o próprio McCarrick.
Na semana passada o presidente da Conferência Episcopal americana, o cardeal DiNardo, emitiu um comunicado dizendo que os bispos estavam decididos a ir até às últimas consequências para saber a verdade sobre este assunto, nomeadamente o que falhou, quem sabia e não agiu e que medidas podem ser adotadas no futuro para evitar que o caso se repita. Contudo, DiNardo não especificou que tipo de solução poderá existir, nomeadamente a nível de um órgão de supervisão que tenha autoridade em todas as dioceses do país, uma vez que cada diocese, à luz do direito canónico, é autónoma e responde diretamente a Roma.
Já esta semana o cardeal Wuerl, que sucedeu a McCarrick em Washington, veio sugerir a criação de uma comissão de bispos que ficaria encarregue de supervisionar este assunto.
Referindo-se à declaração de DiNardo, Wuerl disse que não se pode simplesmente esperar pela próxima reunião plenária dos bispos, em novembro, mas é preciso ir já pensando em hipóteses. “Poderíamos ter um painel, uma comissão, de bispos, que ficariam encarregues de aprofundar esses boatos que surgem?”, perguntou.
Logo, porém, surgiram muitas críticas de católicos influentes nas redes sociais e nas colunas de opinião, a dizer que de forma alguma este trabalho deve estar limitado a bispos.
A influente blogger Elizabeth Scalia escreve que “as palavras de Wuerl sugerem que ele não percebeu o quão catastróficas foram as revelações sobre os abusos de longa data de Theodore McCarrick para a confiança dos leigos. Deixe-me dizê-lo claramente: Essa confiança foi destroçada. Já não existe.”
Mas outros bispos têm tomado um rumo diferente. Num artigo escrito na segunda-feira o bispo Edward Scharfenberger, de Albany, em Nova Iorque, diz que é urgente que exista uma comissão e que esta não seja composta por bispos, mas por leigos.
“Aquilo de que precisamos agora é de uma comissão independente liderada por leigos fiéis e respeitados, acima de qualquer suspeita, pessoas que nada têm a beneficiar financeiramente, politicamente ou pessoalmente por pertencer a esse painel”, escreve.
“Penso que chegámos ao ponto em que a resposta não passa por ter bispos a investigar bispos. Para ser credível, esse painel teria de ser separado de qualquer fonte de poder cuja confiança pudesse ser posta em causa” por eventuais revelações, diz os bispos.
Scharfenberger diz que esta pode ser a última oportunidade para os bispos recuperarem a sua credibilidade. “Chegou a hora de apelarmos aos talentos e aos carismas dos nossos leigos, em virtude do seu sacerdócio batismal. Eles não só estão dispostos a assumir este papel tão importante, como estão desejosos de nos ajudar a fazer reformas duradouras que recuperem os níveis de confiança que foram novamente destroçadas.”
“Nós, bispos, temos de estar à altura deste desafio, que poderá ser a nossa última oportunidade para considerar tudo o que aconteceu. Não podemos falhar”, conclui o bispo.