Andra Keay já não se deslumbra com robôs, mas também não os teme. A robótica é a sua vida. É directora da Silicon Valley Robotics, co-fundadora do Robot Garden, um laboratório comunitário que desenvolve robôs, e investidora em diversas “startups” do sector.
Este ano regressou a Lisboa, à Web Summit, onde defendeu a tributação das empresas de robótica e antecipou o mundo em 2030. Um mundo facilitado pelas tecnologias ou esvaziado por elas: está nas mãos do ser humano escolher a versão que vai ter.
Em entrevista à Renascença, diz que o futuro já chegou: já existem robôs em casa de doentes com cancro a monitorizar a medicação; estamos a semanas de assistir à guerra das empresas pela colocação dos primeiros robôs de companhia em casa.
Para já, não passam de máquinas relativamente estúpidas, mas vão acabar por fazer cada vez mais coisas. “Não nos imagino a parar o nosso desejo de criar novas coisas, de sermos curiosos e esticar os limites dos nossos mundos, é parte inerente de sermos humanos. O que espero é que também sejamos cautelosos quando criarmos coisas complexas, com potencial para grande impacto”, afirma Andra Keay.
Como vai ser viver com robôs no futuro?
Vão ser praticamente invisíveis. Vamos viver com robôs e nem vamos dar por eles porque vamos esperar um certo nível de comportamento inteligente do mundo à nossa volta.
Que tipo de interacção podemos esperar dos robôs?
O que vejo acontecer no futuro é que praticamente 90% dos robôs, aqueles que considero robôs, vão ser invisíveis. Não vamos interagir com eles de forma consciente, será como conduzir um carro: o carro será um robô, a casa será um robô, vamos desligar as luzes, dizer à casa para fazer alguma coisa, sem pensar, tudo será normal. Mas os 10% de robôs em que nos vamos concentrar são aqueles que vão conversar connosco e isso está próximo da nossa ideia de robô em ficção científica.
Vemos tudo por olhos humanos, adoramos a ideia de robôs que são como humanos. Por isso, vamos ignorar 90% dos robôs porque eles só fazem coisas, são produtos, e vamo-nos focar nos outros 10% que são parecidos com as pessoas, interagem connosco de alguma forma, através de acções e conversas.
Quando vamos estar a comprar robôs para companhia em lojas?
Já temos robôs para companhia, mas ainda não estão em lojas, estão numa fase intermédia. Podem ser prescritos, para companhia e monitorização da toma de medicamentos. Isso está a acontecer neste momento. Uma “startup” em que investi, a Catalia Health, está a ser pioneira nisso.
Temos nas lojas robôs sociais, como o Jibo, e acho que provavelmente na próxima feira de consumo electrónico, dentro de poucas semanas, já serão lançados mais meia-dúzia de robôs de companhia.
Assistimos a uma espécie de competição no mercado por estes 10%?
Há uma guerra pelas nossas casas, para definir qual será o primeiro robô de casa. Vemos todo o tipo de tácticas, alguns oferecem-se para fazer chamadas, compras ou ajuda na cozinha, algumas empresas dizem que os robôs podem ler, algumas admitem que os robôs não vão fazer grande coisa, mas são adoráveis e vão querer tê-los por casa.
Até a Sony regressou a esta competição. O Aibo foi um dos robôs de consumo mais populares de sempre, um lindo cão robô. Agora, mais de uma década depois e de muitos pedidos para voltarem, estão de regresso.
Durante a Web Summit, ouvimos muito receio sobre os robôs. Há motivos que sustentem este medo?
É sempre bom interrogarmo-nos sobre o que vai acontecer quando temos novas tecnologias, mas não precisamos de ter medo, que parece ser o que está a acontecer, em relação aos robôs e à inteligência artificial. Têm surgido pessoas fantásticas, pensadores muito famosos, que anunciam que têm medo de robôs e inteligência artificial, o que fazem é preocupar as pessoas pelas razões erradas.
Penso que há coisas que temos que vigiar, sobretudo no que diz respeito à inteligência artificial, mas não vamos ter uma inteligência artificial com capacidade de actuação como uma agência e com intenção de destruir o mundo ou assumir o controlo. É mais provável desenvolvermos algoritmos complexos que vão deitar abaixo os mercados financeiros sem qualquer inteligência ou intenção. Mas, esperem… isso já aconteceu! E conseguimos recuperar rapidamente.
O que quero dizer é que estou mais preocupada com estupidez artificial do que com inteligência artificial. Hoje temos um conjunto complexo de tecnologia no mundo e nem sempre compreendemos qual vai ser o impacto de juntar nova tecnologia a outros sistemas complexos. A história está cheia de períodos de caos à medida que novas tecnologias iam aparecendo – a revolução industrial e a introdução do automóvel não foram tão suaves como pode parecer à primeira vista.
Olho bastante para a história para aprender como a tecnologia está envolvida com a sociedade e espero que isso nos dê a oportunidade de evitar erros. Mas vai ser sempre um processo onde vai haver algum caos, e de certeza mudança, mas geralmente a mudança é para melhor.
Qual é o limite?
Uau! Espero que não haja limite, que possamos continuar a fazer o mundo e o universo um lugar melhor para a tecnologia. Fizemos a nossa civilização crescer através da tecnologia, é ela que nos permite especializar, é assim que enriquecemos, inovamos e criamos. Isso é inato, é a nossa natureza curiosa.
Não nos imagino a parar o nosso desejo de criar novas coisas, de sermos curiosos e esticar os limites dos nossos mundos, é parte inerente de sermos humanos. O que espero é que também sejamos cautelosos quando criarmos coisas complexas, com potencial para grande impacto. A história mostrou que já inventámos tecnologia perigosa no passado, e criámos regulação, tratados e outras ferramentas para minimizar o mau impacto.