Sem mares de gente, mas com uma presença simpática de jovens no areal e surfistas dentro de água, a praia de Carcavelos, em Cascais, voltou esta quinta-feira a compor-se de banhistas, desvalorizando a evolução do surto Covid-19.
“Faz bem à saúde apanhar sol, faz bem ao sistema imunológico, de certa forma é bom”, afirmou Camila Ocman, estudante da Universidade Nova de Lisboa, que aproveitou a tarde livre para ir à praia, acompanhada de três amigos, “porque está quente”, assegurando que “não tem muitas pessoas perto, é um metro de distância”.
Compondo o areal da praia de Carcavelos, mas sem a enchente registada na quarta-feira, jovens estudantes, turistas estrangeiros e surfistas continuam hoje a construir castelos de areia, sem fortalezas que impeçam o contágio da Covid-19, nem máscaras de proteção, mas com nadadores-salvadores.
A Câmara de Cascais acionou nadadores-salvadores nas suas praias, mas sublinhou que estes locais “não são um lugar seguro neste tempo e neste contexto” e apelou ao “espírito de cidadania responsável”, admitindo mesmo a possibilidade de interdição dos areais.
Despreocupada com o risco de contágio da doença na praia, a jovem Camila conta que sempre que anda nos transportes públicos utiliza máscara e desinfeta as mãos. “Pela informação que vi na Internet, na televisão, o coronavírus em si mata pessoas velhas ou que têm problemas respiratórios. Então, se eu pegar, não me importaria muito”, confidenciou a estudante brasileira, referindo que, quanto à possibilidade de contagiar involuntariamente alguém, não tem muito contacto com pessoas numa situação de saúde mais vulnerável.
“É inevitável que a doença se espalhe por todo o mundo, já estão vários países infestados, então o que a gente pode esperar é que façam uma vacina”, afirmou a estudante, recusando-se a deixar de ir à praia e admitindo que, caso a situação piore em Portugal, possa regressar com a mãe e os irmãos para o Brasil, onde o pai vive, “até tudo passar e, depois, volte”.
Estudante da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT NOVA), Filipe Machado decidiu não ir às aulas, porque houve “alguns boatos” que seriam canceladas, e foi para a praia de Carcavelos, com os amigos, ressalvando que “se devia estar precavendo mais”.
“A gente veio a pensar que a praia estava vazia, por causa do corona [novo coronavírus, Covid-19], e a gente não sabia que ia estar um pouco cheio como está agora”, disse o estudante, reconhecendo que “não está 100% seguro, mas é um risco que se corre”. “Reconheço, de alguma forma, que foi um erro, mas não estou muito preocupado com isso, na verdade, na realidade. Devia estar, mas não estou muito”, afirmou Filipe Machado, evitando o contacto com pessoas em lugares públicos e lavando as mãos com álcool a toda a hora, porque “já afirmaram que é uma pandemia, que está em muitos países”.
Segurando a prancha de surf para entrar dentro de água, Pedro Leitão aproveita os dias de bom tempo para ir à praia, uma vez que viu todos os trabalhos que tinha agendados para o mês de março, com visitas a escolas, cancelados devido à Covid-19.
“Vir aqui é para me meter dentro de agua, ainda não sei se o vírus também é contaminável dentro da água salgada, mas isto também é uma forma de me manter vivo, vir ao mar, apanhar umas ondas também é uma forma de dizer que ainda estou vivo”, declarou Pedro Leitão, autor de banda desenhada. “Se o vírus é contaminável dentro de água, estou a cometer um risco, não sei”, apontou o surfista, considerando que, apesar da preocupação, é melhor estar na praia do que num espaço fechado como um centro comercial ou noutros espaços onde há muito mais gente concentrada.
Reforçando que o contacto que tem na ida à praia “é muito efémero”, com conversas muito rápidas com outros surfistas, Pedro Leitão avançou que “não há abraços, nem beijinhos, é tudo muito distante”. “Ontem [na quarta-feira] é que foi extraordinariamente um volume de gente que parecia que estávamos no pico de agosto, vim apanhar umas ondas, estava também muita gente dentro de água, porque o surf estava bom, mas para chegar à agua tive que vir aos ziguezagues para não pisar em ninguém”, contou o surfista, defendendo que hoje há “muito menos gente” pelas condições atmosféricas.
Sentindo que há motivos para “começar a ficar cada vez mais preocupado”, Pedro Leitão defendeu que a proibição de acesso à praia é ponto máximo das medidas preventivas, em que ninguém sai de casa.
A aproveitar o bom tempo na esplanada, Maria Assunção, de 71 anos, disse que “sempre que há sol há sempre muita gente” na praia, sem relacionar a suspensão de aulas com a maior afluência registada. “Hoje, por acaso, vim andar um bocadinho, sentamo-nos aqui a tomar um cafezinho, mas hoje não há quase gente nenhuma em relação ao que foi ontem [quarta-feira], que eu vi na televisão”, apontou Maria Assunção, considerando que, “se as escolas fecham, também devem ser interditadas as praias para prevenção de todos”.
Em Portugal, a Direção-Geral da Saúde (DGS) atualizou hoje o número de infetados, que registou o maior aumento num dia (19), ao passar de 59 para 78, dos quais 69 estão internados. O boletim divulgado hoje assinala também que há 133 casos a aguardar resultado laboratorial e 4.923 contactos em vigilância, mais 1.857 do que na quarta-feira. No total, desde o início da epidemia, a DGS registou 637 casos suspeitos.